a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Assim como as apropriações cariocas me aproprio do título: "Vazio de nós"

    A ida ao Rio nos proporcionou novos olhares da cidade maravilhosa. Podemos dizer que de maravilhosa mesmo encontramos muito mais uma maquiagem forjada por turistas e governantes, do que realmente em suas políticas para as populações.
    Chegamos numa época em que as belas praias, que sim são maravilhosas, se tornavam cenários de guerra urbana entre os consumidores da zona sul e os que desejam se apropriar dos espaços que são de direito dos moradores de outras áreas cariocas.
    Para além das notícias de jornal que assustam ao resto do país, pudemos perceber em vários dos pontos da visita as políticas cariocas são na maior parte higienistas, sempre beneficiando uma classe de privilegiados, com pontos que para cada época se fazem interessante.
     Ao visitarmos o MAR isso se mostra nítido de dentro para fora, inicialmente no mirante com uma “vista privilegiada da cidade do Rio de Janeiro” onde surge em meio aos entulhos o grandioso projeto do “Porto Maravilha”, mas que antes disso teve que relocar os cidadãos que viviam naquela parte da cidade.
    Nas profundezas do MAR, encontramos a exposição de Berna Reale “Vazio de Nós”. A artista paraense, que também é perita criminal, trata da temática centro/periferia em sua obra. Bem colocada naquele contexto a exposição temporária nos faz refletir sobre a deficiência de direitos assegurados pelo governo, num cenário onde zona sul e norte se confrontam cabe pensar até que ponto a cidade maravilhosa se rende á sociedade de consumo.
    Assim, a fala do André sobre os quadros afixados na parede da reserva técnica do Museu da República, o conflito das praias e a relocação da população que vivia na zona portuária podem ser vistos como uma tentativa do governo de continuar vendendo a ideia de “Rio paraíso tropical” e nos faz questionar até quando esse paraíso será para o acesso de poucos que podem se banhar nas praias quentes e postar fotos com seus I-phone's, mas que ainda precisam do serviço de gente que vive nas periferias...  


http://www.museudeartedorio.org.br/pt-br/exposicoes/anteriores?exp=421


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Sobre comunidades, resistência e museus.

A visita ao Rio de Janeiro entre os dias 30 de novembro a 3 de janeiro de 2013 trouxe um aglomerado de experiências e reflexões que giraram em torno dos moradores, do uso dos espaços públicos e das políticas também públicas que antecedem aos grandes eventos e impõe deslocamentos entre os territórios que compõe esse cidade.

Essa experiência de reflexão, além de exercitada de maneira coletiva quando visitávamos aos museus programados, teve um caráter especialmente individual.
O tom especial foram as lembranças de uma experiência passada, da primeira vez que pernoitei no Rio de Janeiro, em viagem de visita técnica da disciplina de Preservação e Conservação de Bens Culturais II, com a professora Gabriela de Lima Gomes. A mesma viagem também caracteriza a primeira vez que participei como hóspede, em um projeto de hospedagem solidária chamado Couchsurfing. O Couchsurfing, apenas a título de curiosidade, é um projeto em que você se dispõe a hospedar estranhos em sua casa, gratuitamente, por pura fé na comunidade que se criou em torno do conceito, carregado de esperança no mundo, de solidariedade e troca de experiências. Os membros inscritos podem também fazer solicitações para se hospedar nos locais de sua preferência, onde existam pessoas da comunidade disponíveis e dispostas a receber Surfers.

Fiquei hospedada em uma das centenas de favelas do Rio de Janeiro, chamada Rio das Pedras, na região de Jacarepaguá, dentro da extensa Zona Oeste da capital. Quando olhei para um mapa turístico em busca do local onde estávamos, notei que embora o mapa se preocupasse em mostrar com detalhes a turística e fotogênica Zona Sul, e até mesmo a tão próxima Barra da Tijuca, localizada a 20 minutos dali, nem a Rio das Pedras e nem as comunidades e bairros localizados ao longo de quilômetros a frente no sentido oeste, constavam no mapa.
Do mesmo modo me marcou o fato de chegar na comunidade após 1h30 de viagem, vindo da regiãoo central, e ver que a televisão sintonizada na Rede Globo, no horário da novela de grande audiência às 21h, exibindo visões panorâmicas das estonteantes praias do Rio de Janeiro e seus bairros nobres, e nem sequer perceber menções aos outros Rios de Janeiros, principalmente os Rios ao oeste.

Vista da Favela do Rio das Pedras (Imagem extraída do UOL notícias - http://noticias.uol.com.br/album/album-do-dia/2012/07/18/imagens-do-dia---18-de-julho-de-2012.htm?mobile)


Ainda nesse momento eu pouco entendia sobre o crescente movimento de patrimonialização de favelas, que consiste, dentre outros atos, no resgate à imagem, em uma afirmação identitária, e na veiculação positiva do modo de vida e da sociabilidade em comunidades historicamente esquecidas pelo poder público no que diz respeito à concessão de direitos fundamentais, mas lembradas quando existem disputas em torno dos territórios que ocupam.

Esse movimento só acontece porque a história das favelas é marcada pela resistência, que não pode de maneira alguma ser individual. Na Rio das Pedras, pude observar um coletivo, embora muito complexo pois trata-se de um coletivo formado por indivíduos e seus interesses, que possuem necessidades, sonhos e desejos que passam por vezes acima dos interesses gerais. Me perguntei quantos Rios de Janeiro cabem numa única cidade.

Embora eu tenha crescido em uma região de periferia em São Paulo, nunca havia percebido o que percebi das relações nas favelas cariocas, tanto no pouco que pude vivenciar da Rio das Pedras, quanto da organização dos moradores em suas lideranças comunitárias no complexo da Maré. A visita abriu minhas percepções para os ideias de preservação das comunidades cariocas. Fui além das imagens que se cristalizaram no meu imaginário, muito inspiradas pelo videoclipe do rapper americano Snoop Dog, gravado no Morro de Santa Marta. Para além de um ambiente exótico, de casas surpreendentemente equilibradas no alto dos morros, de um lugar onde o samba e o carnaval estão sempre presentes e belas mulheres negras estão sempre de biquíni, as favelas são lugares de resistência.


Vista do bairro Vila Primavera, no qual cresci em São Paulo (SP).

Lugares onde as pessoas lutam para garantir seus direitos mais básicos e deles não serem privadas nos mostram as potencialidades dos museus para a resistência e afirmação de identidades (e reformulação de imagens, como é o caso da Maré). Esses espaços mostram que os museus não são apenas locais de contemplação ou de guarda de algo que corre o risco de se perder. Ao contrário: tornam cada vez mais evidente a vocação de centros culturais, onde diversas manifestações artísticas, políticas e reivindicatórias, tomam corpo.

Quando o museu trabalha por exemplo a memória do trauma da violência que circunda as comunidades da Maré através da realização de oficinas com adolescentes – talvez os agentes que mais se envolvem nesse processo de violência -, que criam moldes das marcas de balas perdidas nas paredes das casas e dos estabelecimentos comerciais, ele tenta canalizar o peso da violência em resistência, sem esconder as marcas ou se silenciar sobre o fato.

O fato do museu ser gerido pelas lideranças comunitárias, o aproxima dos movimentos sociais, tais como as outras atividades que são desenvolvidas em paralelo pelos agentes da comunidade. Esses processos são fundamentais no processo de criação de vínculos, de auto reconhecimento em meio ao coletivo, de valorização das relações e ações em conjunto.

Vista aérea do Complexo da Maré retirada do jornal O Dia (http://odia.ig.com.br/portal/rio/for%C3%A7a-tarefa-vai-proteger-elei%C3%A7%C3%B5es-na-mar%C3%A9-e-zona-oeste-1.466940)


Comunidades como a Maré, deveriam ser lugares prioritários para a instalação de equipamentos culturais e de valorização da memória e da cultura local.

Meu comentário, porém, não é ingênuo a ponto de negar as diversas forças que se entremeiam e sobrepõe-se num contínuo processo de negociação, tal como a lógica foucaultiana nos faz perceber. Rio das Pedras, por exemplo, em seu verbete na wikipédia é reconhecido como o berço das milícias (link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_das_Pedras_(bairro_do_Rio_de_Janeiro). Já as favelas da Maré, por constituírem um vasto complexo, possuem diversos poderes envolvidos, desde uma base do Batalhão de Operações Policiais Especiais nas proximidades do museu, uma grande base da polícia militar do Rio de Janeiro, as pressões da prefeitura para desocupar algumas áreas, e o movimento do tráfico no alto dos morros e as atividades de corrupção que envolvem a todos.

É exatamente por essa gama de poderes que instituições de memória como essas são de extrema importância como catalizadores das tensões. Os 12 tempos da Maré, tratados em sua exposição de longa duração, além de exporem aos visitantes de fora da comunidade a identidade local e de seus moradores, também tratam de assuntos delicados que incitam à reflexão e valorizam a trajetória conturbada de lutas e esforços pra permanecer no local.

Imagem dos cartuchos de balas perdidas encontradas no Complexo da Maré, exibidas na configuração anterior da exposição de longa duração do museu. (http://culturadigital.br/braxil/files/2010/12/aP1140194.jpg)



Bem como o tour virtual pelo site do museu: http://www.museudamare.org.br/joomla/

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Adelina e Nadir: experiências e subjetividades no universo feminino.

          Eu(Michelle) e outras moças da museologia somos estagiárias no CAPS 1, em Ouro Preto. Nosso estágio consiste em documentar as obras produzidas pelos pacientes em oficinas terapêuticas.  Por essa razão, fomos convidadas para visitar o Museu de Imagens do Inconsciente na cidade do Rio de Janeiro, no dia 13 de dezembro de 2013. Esta instituição é localizada no Engenho de dentro, no Instituto municipal Nise de Silveira.  Pertence ao acervo deste museu, as obras realizadas pelos internos nos ateliês de modelagem e pintura. Estas atividades foram estabelecidas pelo Serviço de Terapêutica Ocupacional, projeto organizado pela psiquiatra Nise de Silveira, importante defensora da reforma psiquiátrica, na metade do século XX. 
           Visitando a exposição, uma das artistas que despertou minha atenção foi a Adelina Gomes. Há dois motivos para tal efeito. Primeiramente, meu interesse pelos estudos de gênero. As obras de Adelina expressam as subjetividades femininas.  A paciente retratou em suas obras, famílias, flores, bonecas, festas, casais, dentre outros. Para os estudos de gênero, consiste uma forma de entender e refletir sobre a construção social dos papéis femininos, a partir da arte, e neste caso específico, a relação entre gênero e loucura. De acordo com as legendas da exposição, “Adelina era filha de camponeses, nasceu em 1916, na cidade de Campos, estado do Rio de Janeiro. Fez o curso primário e aprendeu vários trabalhos manuais numa escola profissional. Aos 18 anos apaixonou-se por um homem, que não foi aceito pela família. Tornou-se cada vez mais retraída, sendo internada em 1937, aos 21 anos. Começou a frequentar o ateliê de pintura em 1946, primeiramente, dedicou-se a trabalhar em barro, modelando figuras que impressionam pela sua semelhança com imagens datadas do período neolítico. Na sua pintura pode-se acompanhar passo a passo as incríveis metamorfoses que ela vivenciou. Tornou-se uma pessoa dócil e simpática produzindo com intensa força de expressão cerca de 17.500 obras.”
Óleo sobre tela por Adelina Gomes
Óleo sobre tela por Adelina Gomes
            O segundo motivo que despertou meu interesse foi porque as obras de Adelina Gomes remetem a uma artista e paciente do CAPS, Nadir Pena. A artista mineira nasceu em Pedra Corrida, no dia 10 de janeiro de 1953. A convite, de seus amigos hippies veio para Ouro Preto, em 1969, pois como uma boa revolucionária que era, desejava consertar o mundo. Foi influenciada pelo pai que lutou contra a ditadura militar, no golpe de 1964. Em 1998, começou a frequentar o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e foi neste espaço, que se iniciou nos caminhos da pintura. Como se encontrava depressiva, pintava mulheres chorando. Através das oficinas de arteterapia oferecidas pelo CAPS, sensibilizou-se pelo mundo das artes e foi estudar na Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP). Ali, participou de cursos de pintura, serigrafia, xilogravura, dentre outros. A artista seguiu o caminho das pinturas, utilizando como técnica e material, tinta para tecido sobre Eucatex.
Tinta para tecido sobre eucatex por Nadir Pena
Tinta para tecido sobre eucatex por Nadir Pena

         As obras da artista revelam toda dualidade de seu universo feminino, as mulheres de Nadir são retratadas em diversas etnias e culturas, porém todas carregam as subjetividades das experiências de vida da própria artista. São várias, mas ao mesmo tempo uma, que é denotado pelo traçado de suas feições. Esta relação entre o particular e o universal faz com que o público se identifique com essas figuras femininas pertencentes a mundos distintos, porém iconograficamente coadunados pelos símbolos presentes nas obras. Essa simbologia é representada por elementos da natureza - pássaros, serpentes, flores, fogo. A espiritualidade também é tema recorrente, a presença divina representada a partir do olho, trazendo a onipresença e onisciência de Deus, que não só a acompanha em todos os momentos da vida como a protege.  As Guerreiras de Nadir Pena mostram a sagacidade da figura feminina que enfrenta as agruras da vida com garra, mas que também é capaz de se superar, como expressa a própria artista, muitas vezes com: “tristeza na alma e sorriso no coração”.
         É fascinante pensar como duas mulheres, Adelina e Nadir, de épocas distintas, cidades diferentes, podem criar uma produção artística semelhante, a partir da transformação das subjetividades e experiências femininas em arte e resistência perante as dificuldades que permearam suas vivências.

fotos Adelina:  http://www.ccs.saude.gov.br/nise_da_silveira/imagens
fotos Nadir: Sandra Cardoso e Michelle Louise Guimarães.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Rio de Janeiro: O que visitar!

Então agora, vem comigo, vou te levar em uma viagem! Isso mesmo! A MUL106 vai te levar em uma viagem ao Rio de Janeiro, com um roteiro todo especial e carinhosamente preparado para que você, além de conhecer importantes museus e pontos de arte, possa refletir sobre tudo o que foi apreendido até aqui nos nossos encontros semanais! Não se preocupe com o caminho, nosso motorista André dá conta de tudo! Relaxe, aproveite a viagem e já vá estudando o guia preparado para a ocasião! Qualquer coisa, a mais experiente 'guia', Prof. Ana sanará suas dúvidas! Espero que aproveite! A MUL106 agradece a preferência e te deseja uma boa viagem! 
Obs: Em caso de chuva, não esqueça seu Teru Teru Bozo!