Nos dias 4 e 5 de dezembro, participei da visita técnica a Petrópolis, atividade integrante da disciplina Museus no Mundo Contemporâneo. Durante a viagem visitamos o Museu da Loucura e o Museu Imperial, sendo este último o foco desta postagem. O Museu Imperial foi inaugurado em 1943, ocupa a antiga residência de verão de D. Pedro II e sua família, e atualmente abriga um acervo com quase 300 mil peças relacionadas ao período imperial brasileiro.
Durante a visita, fomos conduzidos à reserva técnica, onde tivemos uma conversa conversa com a equipe de museólogas. Além de nos apresentar itens relevantes do acervo, elas compartilharam informações sobre a situação atual do museu, os protocolos de conservação e documentação adotados e os desafios financeiros enfrentados por uma instituição cultural. Em seguida, realizamos uma breve visita à biblioteca, onde conversamos com o bibliotecário, que nos falou sobre o histórico do museu, os processos de aquisições do acervo e da diversidade dele, além de nos apresentar algumas obras raras de grande interesse.
Por fim, visitamos a exposição de longa duração do museu, organizada a partir da ambientação dos espaços internos do antigo palácio, com a reconstrução cenográfica dos cômodos com mobiliário, objetos decorativos e obras que remetem ao cotidiano da família imperial brasileira. A disposição dos ambientes busca criar uma experiência de imersão, na qual o visitante é conduzidos pelas salas, quartos e áreas de circulação que simulam a forma como esses espaços teriam sido utilizados no século XIX, reforçando uma sensação de continuidade histórica e de proximidade com o passado.
Essa estratégia expositiva privilegia a noção de autenticidade, entendida sobretudo como fidelidade material, visual e estética aos modos de vida da elite imperial. No entanto, ao centrar-se nessa reconstrução, o museu acaba por apresentar uma narrativa histórica marcada pela representatividade limitada, uma vez que os ambientes e objetos expostos reforçam uma visão elitizada da história, silenciando ou secundarizando outros sujeitos e experiências que também compuseram aquele contexto.
A visita pelo museu é conduzida por um percurso previamente definido, que orienta o deslocamento do público pelos ambientes expositivos, sendo as salas finais, localizadas após a loja, destinadas às exposições de curta duração. Durante a visita, tivemos a oportunidade de conhecer a exposição Fale-me de Pedro – nas minúcias da memória, que apresenta aspectos da vida pessoal de D. Pedro II, desde sua infância até a morte. A partir de peças relativas ao Dom Pedro de Alcântra, a exposição propõe uma reflexão sobre os "lugares de memória", tensionando o que pode ser considerado memória, como é construída e por quem é narrada.
A exposição observada apresenta um deslocamento significativo em relação ao modelo tradicional de autenticidade, aproximando-se das transformações apontadas por Anico, ao priorizar ideias, histórias e narrativas em detrimento da centralidade absoluta do objeto. Nesse espaço, o foco recai menos sobre a autenticidade material e mais sobre a construção de sentidos, abrindo possibilidades para múltiplas representações e leituras do passado. Ainda assim, essa abertura ocorre de maneira controlada e contida, mantendo-se alinhadas às expectativas simbólicas e institucionais do Museu Imperial.
A inclusão social e a ampliação das narrativas aparecem, portanto, como um movimento cuidadoso, que busca dialogar com debates contemporâneos sem assumir um posicionamento excessivamente crítico ou confrontacional, como no caso da problematização do racismo científico, evidenciado pela cobertura da escultura associada ao "pai" de teorias racistas. Tais ações são incorporadas de forma pontual, preservando, em grande medida, a imagem e a função tradicional do museu enquanto guardião da memória imperial.
Por fim, esta colagem propõe uma reflexão sobre dos lugares de memória, os limites da autenticidade e a necessidade de tensionar os modos de representação da memória nos espaços museológicos. O corpo existe, mas não é autorizado a se apresentar; ele não reivindica a coroa, ela lhe é imposta. Diante disso, emergem as perguntas: quem coloca a coroa, quem perde o rosto? E o olhar que consome essa memória, o que busca afinal, o símbolo ou a pessoa? O olhar procura a verdade ou apenas o conforto de uma história já legitimada?
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| Colagem - O que não se quer ver |
