a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


terça-feira, 4 de dezembro de 2018










Encontro entre Comunidade e Museu: uma construção de identidades

Por: Iolanda Leiko, Lara Martins e Mariane Rodarte





O impacto visual da comunidade Vila da Estrela provoca o estimulo à novas leituras das paisagens urbanas. Alguns autores nos ajudam a entender a filosofia da “Liberdade da Cidade”, que é portanto, o direito de acesso aquilo que já existe, porém possui também o direito de mudança de acordo com nossos desejos. Se descobrirmos onde vivemos veremos que esse direito de mudar e reconstruir as cidades é nulo quando direitos são barrados por forças que impedem o reconhecimento do ritmo e escala da urbanização, que muitas vezes correm em direção a enfatizar as desigualdades sociais separando-as em classes.

As classes são destacadas quando observamos os movimentos que surgem das regiões periféricas da cidade, afim de ganhar notoriedade e chamar atenção às questões sociais. O Muquifu – Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos se apresenta como um lugar que dá voz à comunidade da Vila da Estrela, tendo esse propósito desde o seu surgimento.
O Muquifu nos proporciona a ver materialmente essa conexão entre comunidade e Museu. Na fotografia abaixo podemos visualizar o quanto a comunidade está dentro dele.



Foto 1: Fotografias comunidade da Estrela  - Iolanda Leiko




Nosso impacto ao entrar na primeira sala, que no caso é uma capela, foi de admiração e confusão de sentimentos ao mesmo tempo. Conhecer a história da Capela e do Museu fez parte de uma nova perspectiva para nós que seremos futuros profissionais na área.

O Padre Mauro Luis da Silva que nos recebeu com muita alegria e felicidade em estar fazendo parte da resistência que é um Museu de Território. E o que nos deixou mais felizes, foi o fato de que outras religiões e crenças são bem vindas nesse espaço, o padre pareceu ter muito respeito, sensibilidade e entendimento do que "aquilo tudo" significava, o que o torna diferenciado.

A segunda parte do Museu, é dedicada aos desejos do que a comunidade quer expor, é feita uma curadoria compartilhada. Os objetos são carregados de significados e sentimentos, o que muitas vezes pode nos parecer um artefato normal, porém há uma história por de traz que o torna especial.

Foto 2: Capela Muquifu



No segundo piso é possível reconhecer a sensibilidade com outras crenças que falamos nos parágrafos anteriores. Onde, são expostas vestimentas, fotografias e altares do congado. Uma coisa interessante é que quase todo o acervo que está nesse módulo é utilizado nos cortejos.

Foto 3: Fotografia Congado - Iolanda Leiko









Impacto da localização entre comunidade e bairros nobres é o que está em volta do Muquifu. E como agente interagente ele cumpre um papel social importantíssimo para aquela comunidade. Isso foi só um pouco do que pode-se encontrar nesse lugar incrível.
Para quem quiser conhecer mais um pouco do Muquifu...


As visitas são realizadas na Sede Vila Estrela, situada à Rua Santo Antônio do Monte,       708, Vila Estrela, Bairro Santo Antônio.

A Sede Beco Santa Inês, no Beco Santa Inês, 30, Barragem Santa Lúcia, é o local onde são realizados alguns eventos e está localizada a Biblioteca.
 


Endereço: Rua Santo Antônio do Monte, 708 - Santo Antônio
Telefone: 31 3296-6583
31 98798-7516
E-mail: comunicacaomuquifu@gmail.com
Informações Adicionais: Agende a visita guiada individual, para grupos, ou escolas, pelos telefones (31) 3296-6690 ou (31) 3296-6583, ou pelo e-mail padremauro@hotmail.com.
As visitas acontecem sempre às quartas-feiras, de 14 às 17 horas e aos sábados, de 10 às 16 horas, na sede do Museu.

facebook:
www.facebook.com/pg/muquifu/about/?ref=page_internal


________________________________
Fontes:
Harvey, D., Alfredo, A., Schor, T., & Boechat, C. (2009). A LIBERDADE DA CIDADE. GEOUSP: Espaço E Tempo (Online), (26), 09-18. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2009.74124






sexta-feira, 30 de novembro de 2018

MUQUIFU: espaço de representatividades e resistência

     O MUQUIFU pode ser considerado antes mesmo de sua fundação de fato como um espaço de resistência, já que foi através da necessidade das "doninhas" que se reuniam para rezar o terço de um lugar para realizar tal atividade. As mesmas foram realocadas diversas vezes graças ao processo de embranquecimento da cidade de Belo Horizonte principalmente com após a posse do primeiro arcebispo da capital mineira, que proibiu que os rituais de religiosidade negra (1923-1960) fossem realizadas dentro das igrejas católicas, mais especificamente as congadas¹ muito populares na região. 
     Foi então que o primeiro anjo apareceu: o Pe. José Muñiz, um padre espanhol, se sensibilizou com a história das senhoras e comprou um terreno para a construção da capela, atualmente denominada Capela Maria Estrela da Manhã. Em 1968, o Pe. José Muñiz é afastado da diocese. No ano 2000 chegou o segundo anjo: Pe. Mauro Luiz da Silva e em junho de 2003 a capela é finalmente inaugurada.
     Em 20 de novembro de 2012 é fundado o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos delimitando os bairros Santo Antônio e a Vila Estrela, mas sua instauração ocorreu apenas em 2014 em sua sede atual. O museu é embasado na museologia comunitária, visto como a museologia que ouve mais e fala menos, feita com os desejos e histórias pela própria comunidade.

Turma 2015.2 do curso de Museologia da UFOP no mirante do MUQUIFUFonte: José Hansen, 2018
     Pensando em dar uma identidade à capela Pe. Mauro convidou os artistas plásticos Cleiton Gos (Pernambuco) e Marcial Avila (Minas Gerais) para representar as virtudes x vícios de uma forma diferente: tornando as pessoas da comunidade como parte do cenário, suas histórias contadas em passagens bíblicas. Como as "musas" inspiradoras eram 14 mulheres (que nunca viveram todas juntas ao mesmo tempo), pensou-se em representar as 7 dores e as 7 alegrias de Maria juntamente com os 3 grupos de congadas identificados na região, totalizando 107m de pintura. uma curiosidade bem interessante é que TODAS as cenas foram feitas em conjunto pelos artistas, não há separação de cenas por artista.

     As cenas apresentam-se na seguinte ordem:

  • Tia Ia como Maria da Conceição na passagem da anunciação do anjo à Virgem Maria, ela é filha da dona Generosa;
  • Dona Generosa como Maria visitando Isabel;
  • Tereza como Isabel, ela também é filha da dona Generosa;
  • Tia Neném no nascimento de Jesus, já que a mesma foi responsável pelo nascimento do grupo de oração;
  • Dona Emereciana na caminhada pela paz (100x Paz para Você - caminhada organizada pela comunidade - 10/12/2000);
  • Dona Santa (Argentina) tem os famosos "olhos que seguem", retrata a primeira dor de Maria: a espada de dor transpassada no coração, conhecida como Nª Sr.ª das Dores;
  • Dona Jovem observando a fuga para o Egito com as ervas do seu chá nos braços - Nª Sr.ª do Desterro (conheça também o documentário elaborado e produzido pelo Muquifu: O Chá da Dona Jovem);
  • Maria Rodrigues na perda de Jesus no templo;
  • Josemeire com Jesus entre os doutores por ser a primeira doutora da Vila Estrela, uma mulher adulta nunca poderia estar dentro do templo por ser considerada impura. Atualmente têm 3 doutoras negras na Vila;
  • Sônia, catequista da comunidade, como Nª Sr.ª da Consolação simbolizando o genocídio das pessoas negras;
  • Morte de Jesus juntamente com as cruzes representam a presença das mães que perderam seus filhos, da forma que for, que frequentam a igreja;
  • Pe. José Muñiz como o providenciador o túmulo de Jesus ou, no caso, do terreno para a construção da capela;
  • Ressuscitação com os anjos de congada, vistos pela comunidade como representando o Cleiton e o Marcial;
  • Pentecoste: Pe. Mauro e as 14 mulheres com o véu e mais uma vizinha (Dona Mariana) a pedido das "musas" representada sem o véu;
  • Dona Marta (Martinha) como Maria subindo ao céu com anjos congos, ela foi a única rainha do congado.

Pinturas da Capela Maria Estrela da Manhã/BH

     A intenção dos idealizadores do projeto da pintura é que cada cena fosse inaugurada em uma missa e água benta na presença das próprias homenageadas e de seus familiares, mas apenas metade delas passaram pelo ritual, já que o Pe. Mauro foi transferido de Paróquia sem uma explicação, nem ao menos permitiram que ele terminasse a espécia de batismo das pinturas. 


Pinturas da Capela Maria Estrela da Manhã/BH

     A Capela-Museu sobrevive com o auxílio de 32 padrinhos que contribuem mensalmente. Não há nenhum dinheiro público investido neles, podendo-se dizer então que toda construção e/ou benfeitoria foi concretiza atrás de doações. Tanto que, a Capela até o dia da visita (04/10/2018) não tinha sido visitada e muito menos reconhecida pela Arquidiocese de Belo Horizonte.


 NOVIDADE MUQUIFEIRA!!!

     Com 6 anos de existência e há 3 anos em processos burocráticos (projetos, análises de viabilização, entre outros) o Muquifu finalmente ganhou sinalização pela cidade de Belo Horizonte/MG para melhor localização dos visitantes.
     Mas como nem tudo são flores a placa que está na fachada do museu está com a grafia errada. A tradução da sigla Muquifu é MUSEU DOS QUILOMBOS E FAVELAS URBANOS, Urbanos por estar direcionado aos Quilombos, que é o foco do museu.
     A novidade foi compartilhada no Instagram (@muquifu) da instituição.



Visite o museu você também!
Rua Santo Antônio do Monte, 708
Vila Estrela / Santo Antônio
Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil
Muquifone: 31 98798-7516
E-mail: comunicacaomuquifu@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/muquifu/
Instagram: https://www.instagram.com/muquifu/
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¹ O congado é um festejo popular religioso afro-brasileiro mesclado com elementos religiosos católicos, com um tipo de dança dramática celebrando a coroação do rei do Congo, em cortejo com passos e cantos, onde a música é o fundo musical da celebração. É um movimento cultural sincrético, um ritual que envolve danças, cantos, levantamentos de mastros, coroações e cavalgadas, expressos na festa do Rosário plenamente no mês de outubro. São utilizados instrumentos musicais como cuíca, caixa, pandeiro e reco-reco, os congadeiros vão atrás da cavalgada que segue com uma bandeira de Nossa Senhora do Rosário. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Congada#Características>. Acessado em: 29/11/2018 às 16:58.



Muquifu - Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos

Por Marcus Paulo e Dayane Milagres

O Museu Muquifu é o terceiro museu de favela do Brasil, os dois primeiros estão no Rio de Janeiro: Museu da Maré e o Museu de Favela.
Ele surgiu em 2012, fundado por Padre Mauro em Belo Horizonte, no Aglomerado Santa Lúcia, com a proposta de ser um museu de território e comunitário, sendo um instrumento de resistência diante do risco de expulsão dos favelados dos centros urbanos, e tem como vocação garantir o reconhecimento e a salvaguarda das favelas, que são os verdadeiros quilombos urbanos do Brasil, lugares não apenas de sofrimento e de privações, mas de memória coletiva digna de ser cuidada.
A instituição reúne como acervo fotografias, objetos, imagens de festas, danças, celebrações, tradições e histórias que representam a tradição e a vida cultural dos moradores das diversas favelas e quilombos urbanos do Estado de Minas Gerais, é um lugar onde o que é mais importante são as histórias por trás de cada objeto.
O Museu é de grande importância para a história de vida das pessoas que estão ali presentes nas comunidades, pois preserva a história, cultura e a identidade de um povo, deixando os preconceitos de lado e igualando as sociedades.

Aglomerado Santa Lúcia

Ele possui instagram e facebook como meios virtuais de comunicação e propagação de conteúdo e eventos relacionados ao Museu, informar localização e algumas fotos do Museu e também acontecimentos da cidade de Belo Horizonte, são sempre atualizados, possui uma boa descrição dos acervos que compõem as salas do Museu, e apresenta dados, possui caixa de sugestões e perguntas para que o público que acessa possa interagir.


Instagram:
A página do Instagram possui 87 publicações,993 seguidores e está seguindo 33 pessoas, é sempre atualizada com novas postagens, sobre as exposições, palestras, livros e eventos ligados ao Museu, possui muitas visualizações e curtidas.







Facebook:

O museu possui uma página no Facebook, que é sempre atualizada com novas postagens, sobre as exposições, palestras, livros e eventos ligados ao Museu.







MUQUIFU e a lâmpada maravilhosa. Por Maria Machado, Valmir, Teresinha e Igor.



Obra artística sobre o tema e o museu por: Maria Machado
Nós alunos da UFOP do curso de Museologia, fizemos uma visita a Belo Horizonte pela disciplina de Museus Contemporâneos ao Muquifu – Museus dos Quilombos e Favelas Urbanos que tem como vocação garantir o reconhecimento e a salvaguarda das favelas, os verdadeiros quilombos urbanos do Brasil: lugares não apenas de sofrimento e de privações, mas, também, de memória coletiva digna de ser preservada. A instituição reúne como acervo fotografias, objetos, imagens de festas,danças, celebrações, tradições e histórias que representam a tradição e a vida cultural dos moradores das diversas favelas e quilombos urbanos do Estado de Minas Gerais. Com direção e curadoria do Padre Mauro Luiz da Silva, o Muquifu, além de ser um local de resistência, identifica-se com um museu de território. Em diversos locais do Morro do Papagaio uma das favelas de Belo Horizonte e a mais próxima do museu há atividades e peças de acervo. E para adentrar ao museu você passa por dentro de uma igreja e nessas andanças que fizemos nos deparamos com um acervo muito do curioso que nos chamou a atenção imediatamente. Uma lâmpada mágica, igual as dos contos infantis como de Aladim e a lâmpada maravilhosa.  lâmpada mágica, conhecida como a assim chamada "lanterna mágica” é também muito citada em muitos grimórios e em velhos livros que lidam com evocações. Ela representa, na prática da magia ritual, um auxiliar muito importante, e o mago irá querer certamente utiliza-la em seu trabalho. A lâmpada mágica é o símbolo de iluminação, cognição, experiência, intuição e luz interior. Abreviadamente, todas analogias simbólicas da luz estão representadas pela lâmpada mágica. Além disso de acordo com os contos infantis existe um gênio dentro da lâmpada que ao esfregar la ele sairá te ofertará três desejos.
Lâmpada dos irmãos
Foto: Teresinha de Lana
                                                    
Foto: Teresinha de Lana
No caso da lâmpada do Muquifu, Pe. Mauro nos disse que dois irmãos conviveram até aos 5 anos juntos depois foram adotados por famílias diferentes e depois disso nunca se viram mais. A lâmpada foi o último brinquedo de quando moravam juntos ainda. A menina tem hoje 17 anos e sempre vai lá  esperançosa buscar notícias Quem sabe esfregue a lâmpada, peça desejos, e um deles seja achar o irmão perdido? Então jogamos a indagação para quem for ler este texto, o que é museu comunitário para você? Você acredita que museu pode transpassar a ideia de objeto possuidor de memória e conseguir juntar dois irmãos que foram separados pelo destino?
              "A história é reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado.“ (NORA, Pierre,1993).
Fachada do Museu
Foto: Teresinha de Lana
Referências: 

NORA, PIERRE – ENTRE MEMÓRIA E HISTÓRIA: A PROBLEMÁTICA DOS LUGARES(1993)

A árvore plantada em frente a capela, que antes era um local de reunião das mulheres da comunidade para rezar o terço, representa o símbolo da resistência das mesmas. Elas foram apoiadas pelo Padre José Muniz que foi o primeiro responsável pela paróquia Santa Lúcia, um homem que tinha visão social e sensibilidade a causa na década de 60. Lutando ao lado daquelas mulheres pobres e negras que só queriam um local para suas reuniões semanais, em que haviam rezas e também troca de experiências. Cada uma com sua particularidade, mas sempre empenhadas na ajuda ao próximo. O porte da árvore, densa em folhas e raízes, foi crescendo ao longo do tempo, bem como o envolvimento da comunidade, se tornando um marco, limitando onde termina os bairros de classe média e se inicia a favela.
A união destas 14 mulheres, que em períodos diferentes lutaram em prol desta causa, nos demonstra o sentimento de pertencimento dessa comunidade composta por um povo 90% negro, que através de seu conhecimento e técnica, construíram a cidade de Belo Horizonte, transformando o Curral Del Rey em uma cidade próspera e desenvolvida. Toda essa manifestação vai na contramão do projeto “embranquecedor” da igreja para a cidade na década de 20, incluindo até a proibição do Congado no interior e no entorno as igrejas.
Da vontade de preservação de um “barracão”, que para elas era um refúgio, e também uma vitória, de um povo excluído pela sociedade e principalmente pela igreja católica, veio a iniciativa de Padre Muniz em comprar este imóvel para elas, provendo a segurança de dar a elas “um teto”. Apesar desta atitude, eles nunca souberam que eram donas da propriedade, e tiveram que lutar novamente contra a vontade da igreja de vender o “barraco”, saindo vitoriosas no que se refere a sua permanência no local, criando ainda o museu com enfoque na cultura negra e Quilombos. Como bem diz Padre Mauro, que chegou como pároco da comunidade em 2000, e auxiliou no processo de criação do Muquifu, tudo partiu delas, desde a iniciativa até a disposição e aquisição do acervo, que conta com objetos ligados a pessoas da comunidade, como cacimbas, utensílios de cozinha, lamparinas e também no que refere a cultura dos mesmos, indumentárias de congado, fotos e jornais que retratam a vivência daquele povo. Neste acervo conta ainda, o quarto de empregada, que transporta o visitante a angústia e solidão vividas por elas em uma época não muito distante.
A capela do Muquifu e dedicada a Maria Estrela da Manhã, e há várias pinturas que representam as 7 dores e as 7 alegrias de Maria. Algo curioso sobre tal, e que não são pintados personagens brancos como a Igreja Católica acostumou a todos imaginarem, e sim negros e cada um deles com uma representação de um morador que fora e e importante para a capela e comunidade.
As 7 dores de Maria, nas quais são recordadas na quaresma, demonstra o sofrimento de Maria por seu filho Jesus.
1 - A profecia de Simeão sobre Jesus
Essa dor, na pintura e representada por Dona Santa (Argentina) na qual ela é mostrada como Nossa Senhora das Dores.
2 - A fuga da Sagrada Família para o Egito
Essa dor, tem como representantes negros de Maria e José, os moradores Cristiane e Renato.
3 - O desaparecimento do Menino Jesus durante três dias
Essa dor e representada pela moradora Maria Rodrigues.
4 - O encontro de Maria e Jesus a caminho do Calvário
Essa dor é representada por Dona Sonia como Nossa Senhora da Consolação.
5 - Maria assiste ao sofrimento e morte de Jesus na Cruz
Essa dor é representada por várias mulheres negras da comunidade que tiveram seus filhos mortos que também estão presentes da sexta dor
6 - Maria recebe o corpo do filho tirado da Cruz
7 - Maria observa o corpo do filho a ser depositado no Santo Sepulcro
Essa dor, tem por representantes o Pe. Jose Muniz, como José de Arimatéia e Marilda como Maria.
           As 7 alegrias de Maria, comemoradas na Páscoa, também tem pinturas com representantes da comunidade.
1 – O contentamento na anunciação
Essa alegria é representada por Maria da Conceição, onde está vestida de congadeira.
2 – A alegria do encontro com Isabel
Essa alegria tem por representante Dona Generosa.
3 – O nascimento de Jesus
Essa alegria tem como representante Tia Neném.
4 – A Adoração dos Reis Magos
Representada por Mãe de Santo em uma caminhada pela paz.
5 – Maria vê a Jesus Ressuscitado
Nao fora encontrado um representante para tal alegria.
6 – A alegria de Pentecostes
Essa alegria é representada por 15 mulheres recebendo o Espírito Santo, dentre elas, dona Mariana que se encontra sem o véu, e Padre Mauro também está na pintura.
7– A Assunção de Maria e sua Coroação no Céu
Essa alegria é representada por Dona Martinha, como Rainha do congado.
Para finalizar, há uma pintura em que mostra a favela subir aos céus.







quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Papinho para museólogo (não) dormir



Texto e imagens por: Jackson Santos, Maíla Ambrósio e Pedro Porto;

(Relatória de visita técnica realizada pela disciplina "Museus no Mundo Contemporâneo" feita sob a orientação da professora Dra.Ana Audebert no ano de 2018.)


    Nossa conversa começa como um papinho para museólogo (não) dormir, perguntando: Qual a função dos museus na contemporaneidade? Os espertinhos dirão: Ah, esta é uma pergunta capciosa e, certamente não será respondida prontamente de supetão. Aliás, uma reflexão um pouco mais aprofundada pode desembaralhar frente nossa face inúmeros possíveis motivos de sobrevivência destas instituições de cultura no cotidiano atual. Os museus se esgotam numa única função? Frutos de uma herança que corroborou com a edificação das identidades nacionalistas, com a construção de uma história da arte e das evoluções científicas, o cerne destas instituições é posto à prova por volta da metade do século XX juntamente com outras áreas das ciências humanas e sociais que foram palco de uma grande virada de paradigmas.

    Isso porque o mundo, a partir dos anos 60 do século XX, foi balançado por lutas sociais em várias frentes: a luta das mulheres por equidade política, movimentos negros que intencionavam a garantia de seus direitos, movimentos estudantis, a descolonização da África e Ásia. Neste mesmo período a América Latina assistiu a instauração de diversas ditaduras. Os campos de pesquisas em ciências humanas e sociais, incluindo aí a Museologia, transformaram-se em ferramentas de resistência e transformação da sociedade. Assim como foram o palco onde se investigou o que é próprio do ser humano, pensando-o enquanto um sujeito-cidadão.

   A Mesa Redonda de Santiago do Chile, ocorrida em 1972, foi um encontro de profissionais de museus que, atentos às transformações em curso, a partir dos já citados anos 60, se reuniram com o propósito de repensar o lugar dos museus frente a esta grande movimentação social. O país latino-americano não foi escolhido aleatoriamente para sediar a reunião, neste momento a museologia percebia-se dominada por epistemologias europeias, algo que deixava de fora um público com necessidades culturais outras, como as sociedades latino-americanas, inseridas em contextos culturais, políticos e sociais próprios, por exemplo. Nesta ocasião duas noções inovadoras, a respeito da museologia surgiram: o museu integral, preocupado com a totalidade dos problemas da sociedade e, o museu ação, como instrumento dinâmico de mudança social. A museóloga Waldisa Rússio Guarnieri, desenvolvia no Brasil, também na década de 70 sua leitura de musealidade: denominado por ela fato social, este fenômeno seria um tipo de relação específica do homem com sua realidade. A tradicional estrutura Museu-Acervo-Público pode (e deve) deslocar-se à Território-Patrimônio-Comunidade.

   Daí, compartilhamos agora nossa vivência de uma tarde no MUQUIFU: De chegada, ao desembarcar do ônibus que nos conduziu de Ouro Preto à Belo Horizonte, checamos o endereço: Rua Santo Antônio do Monte, 708 - Vila Estrela. Nós, alunos de Museologia da UFOP, acostumados a visitar museus, não reconhecemos qual, dentre aquelas construções poderia ser o MUQUIFU, o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos. Havia então uma árvore (na verdade duas, entrelaçadas) com uns 20 metros de altura. Padre Mauro Luiz da Silva, hoje um dos curadores do museu, chegou no Aglomerado Santa Lúcia, macroterritório de favela que envolve a Vila Estrela, e lá encontrou um grupo de mulheres que se reuniam para orar num ambiente que é um barracão, é uma cozinha e é uma igreja, enquanto tomavam chá preparado por Dona Jovem. Aos pés deste ambiente está plantada a árvore (na verdade duas, entrelaçadas) com uns 20 metros de altura.

    A casa é uma igreja, a sede do museu, lugar de encontros e comunhões. Porém o museu é muito mais do que isso. Padre Mauro nos conta que origem desta história se dá no inter relacionamento de 14 mulheres, que se deu no tempo e no espaço posto que essas 14 mulheres nunca estiveram todas juntas, ao mesmo tempo mas, suas vidas encontraram-se ligadas por algum fio condutor. O museu fala destas conexões, destes fios entrelaçados, fala de caminhos percorridos. Quase sempre caminhos que levam para às margens, às periferias, no sentido de que as pessoas que lá vivem são descendentes de pessoas que chegaram lá pela transformação do espaço físico, político e social que se deu com a criação da cidade de Belo Horizonte. 

   O interior do museu impressiona, visto que, a primeira parte trata-se do interior da igreja a qual essas 14 mulheres lutaram para ter esse espaço. Nas paredes da igreja se encontra pinturas, na realidade, cenas bíblicas onde as personagens são as 14 mulheres, uma mistura de sagrado e profano sem deixar de lado a presença e a cultura negra já que as cenas se passam em meio a favela e faz menção a festa do congado. A narrativa segue história cristã tradicional onde destacam-se a anunciação com Tia Ia sendo representada (a mais velha do grupo), Dona Generosa, Tia Neném que fez o grupo nascer e é representada como Maria no presépio, Ereniciana, Dona Santa, Dona Jovem (a responsável pelo chá), Maria Rodriguez, Josimeire (a primeira doutora da vila) sendo representada entre os doutores do Templo de Jerusalém, Sônia, Marilda e terminando com Dona Marta rainha do congado sendo representada a cima do altar na cena da assunção de Maria.

                           

    

 

   Partindo da formação da Vila, o museu evoca histórias de uma comunidade com características inerentes: a apropriação e o aproveitamento do espaço; a malha de caminhos, ruas, becos e vielas num desenho estreito, tortuoso, por vezes labiríntico; o desenho do vale, enquanto um acidente topográfico absolutamente respeitado pela ação humana; o estilo de construção das casas; a proximidade entre as casas; o tempo, próprio das pessoas e do lugar; os olhares e os andares, os saberes. Mas, também evoca problemas enfrentados pela comunidade como a negligência social, por parte do Estado, violências e o preconceito. 

   Neste diálogo, da comunidade com ela mesma, proposto pelo museu visto como um lugar de problematização da vida, tanto quanto de celebração da mesma, o MUQUIFU germinou, brotou, cresceu, floresceu. 

   Entre algumas peças que compõem o acervo do MUQUIFU existe uma lâmpada, um tipo de candeia, de brinquedo, vermelha. Pertencia a dois irmãos que moravam por aquelas bandas e que, por um malarranjado do destino tiveram seus caminhos separados, perdendo o contato que mantinham um com o outro. O objeto foi doado ao museu por um destes irmãos. Imagina-se que o motivo da doação da peça foi para que a história desses irmãos fosse narrada, como parte integrante da história de toda a Vila Estrela, não é? Não, não é. Um irmão espera, através da doação do objeto, que um dia o outro possa (re)descobrir o brinquedo, exposto no museu, gravado em um desses vídeos compartilhados pela internet, ou mesmo numa visita ao MUQUIFU. Rememorá-lo. Através do objeto persevera o irmão, ambos reencontrar-se-ão. Então repito-lhes a pergunta: Qual a função dos museus na contemporaneidade?


       


                                                      









MUQUIFU - observações por Jemima Rodrigues e Katty Tavares




                        Localizado na Vila Estrela, no bairro Santo Antônio em Belo Horizonte, o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos (MUQUIFU) configura um museu de território, onde a comunidade local insere sua identidade no seu espaço físico e nas ações desenvolvidas pelo mesmo. Toda sua composição, seu acervo e suas atividades expressam a força daqueles que o deram origem e de cada um que o mantém enquanto espaço de resistência, de representatividade. É assim, o conjunto das muitas faces e memórias de sua comunidade, num sentido mais sensível de sua humanidade.

O museu normal, qualquer que seja sua definição, é feito com as coisas, o museu comunitário é feito com as pessoas. O patrimônio comunitário é o patrimônio do pai de família, não é o tesouro de Harpagon”. (VARINE, 2005).

VARINE, Hugues de. O museu comunitário é herético. p. 12-15, 2005. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/306497369/O-Museu-Comunitario-e-Heretico-Hugues-de-Varine

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