a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


sexta-feira, 30 de novembro de 2018

MUQUIFU: espaço de representatividades e resistência

     O MUQUIFU pode ser considerado antes mesmo de sua fundação de fato como um espaço de resistência, já que foi através da necessidade das "doninhas" que se reuniam para rezar o terço de um lugar para realizar tal atividade. As mesmas foram realocadas diversas vezes graças ao processo de embranquecimento da cidade de Belo Horizonte principalmente com após a posse do primeiro arcebispo da capital mineira, que proibiu que os rituais de religiosidade negra (1923-1960) fossem realizadas dentro das igrejas católicas, mais especificamente as congadas¹ muito populares na região. 
     Foi então que o primeiro anjo apareceu: o Pe. José Muñiz, um padre espanhol, se sensibilizou com a história das senhoras e comprou um terreno para a construção da capela, atualmente denominada Capela Maria Estrela da Manhã. Em 1968, o Pe. José Muñiz é afastado da diocese. No ano 2000 chegou o segundo anjo: Pe. Mauro Luiz da Silva e em junho de 2003 a capela é finalmente inaugurada.
     Em 20 de novembro de 2012 é fundado o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos delimitando os bairros Santo Antônio e a Vila Estrela, mas sua instauração ocorreu apenas em 2014 em sua sede atual. O museu é embasado na museologia comunitária, visto como a museologia que ouve mais e fala menos, feita com os desejos e histórias pela própria comunidade.

Turma 2015.2 do curso de Museologia da UFOP no mirante do MUQUIFUFonte: José Hansen, 2018
     Pensando em dar uma identidade à capela Pe. Mauro convidou os artistas plásticos Cleiton Gos (Pernambuco) e Marcial Avila (Minas Gerais) para representar as virtudes x vícios de uma forma diferente: tornando as pessoas da comunidade como parte do cenário, suas histórias contadas em passagens bíblicas. Como as "musas" inspiradoras eram 14 mulheres (que nunca viveram todas juntas ao mesmo tempo), pensou-se em representar as 7 dores e as 7 alegrias de Maria juntamente com os 3 grupos de congadas identificados na região, totalizando 107m de pintura. uma curiosidade bem interessante é que TODAS as cenas foram feitas em conjunto pelos artistas, não há separação de cenas por artista.

     As cenas apresentam-se na seguinte ordem:

  • Tia Ia como Maria da Conceição na passagem da anunciação do anjo à Virgem Maria, ela é filha da dona Generosa;
  • Dona Generosa como Maria visitando Isabel;
  • Tereza como Isabel, ela também é filha da dona Generosa;
  • Tia Neném no nascimento de Jesus, já que a mesma foi responsável pelo nascimento do grupo de oração;
  • Dona Emereciana na caminhada pela paz (100x Paz para Você - caminhada organizada pela comunidade - 10/12/2000);
  • Dona Santa (Argentina) tem os famosos "olhos que seguem", retrata a primeira dor de Maria: a espada de dor transpassada no coração, conhecida como Nª Sr.ª das Dores;
  • Dona Jovem observando a fuga para o Egito com as ervas do seu chá nos braços - Nª Sr.ª do Desterro (conheça também o documentário elaborado e produzido pelo Muquifu: O Chá da Dona Jovem);
  • Maria Rodrigues na perda de Jesus no templo;
  • Josemeire com Jesus entre os doutores por ser a primeira doutora da Vila Estrela, uma mulher adulta nunca poderia estar dentro do templo por ser considerada impura. Atualmente têm 3 doutoras negras na Vila;
  • Sônia, catequista da comunidade, como Nª Sr.ª da Consolação simbolizando o genocídio das pessoas negras;
  • Morte de Jesus juntamente com as cruzes representam a presença das mães que perderam seus filhos, da forma que for, que frequentam a igreja;
  • Pe. José Muñiz como o providenciador o túmulo de Jesus ou, no caso, do terreno para a construção da capela;
  • Ressuscitação com os anjos de congada, vistos pela comunidade como representando o Cleiton e o Marcial;
  • Pentecoste: Pe. Mauro e as 14 mulheres com o véu e mais uma vizinha (Dona Mariana) a pedido das "musas" representada sem o véu;
  • Dona Marta (Martinha) como Maria subindo ao céu com anjos congos, ela foi a única rainha do congado.

Pinturas da Capela Maria Estrela da Manhã/BH

     A intenção dos idealizadores do projeto da pintura é que cada cena fosse inaugurada em uma missa e água benta na presença das próprias homenageadas e de seus familiares, mas apenas metade delas passaram pelo ritual, já que o Pe. Mauro foi transferido de Paróquia sem uma explicação, nem ao menos permitiram que ele terminasse a espécia de batismo das pinturas. 


Pinturas da Capela Maria Estrela da Manhã/BH

     A Capela-Museu sobrevive com o auxílio de 32 padrinhos que contribuem mensalmente. Não há nenhum dinheiro público investido neles, podendo-se dizer então que toda construção e/ou benfeitoria foi concretiza atrás de doações. Tanto que, a Capela até o dia da visita (04/10/2018) não tinha sido visitada e muito menos reconhecida pela Arquidiocese de Belo Horizonte.


 NOVIDADE MUQUIFEIRA!!!

     Com 6 anos de existência e há 3 anos em processos burocráticos (projetos, análises de viabilização, entre outros) o Muquifu finalmente ganhou sinalização pela cidade de Belo Horizonte/MG para melhor localização dos visitantes.
     Mas como nem tudo são flores a placa que está na fachada do museu está com a grafia errada. A tradução da sigla Muquifu é MUSEU DOS QUILOMBOS E FAVELAS URBANOS, Urbanos por estar direcionado aos Quilombos, que é o foco do museu.
     A novidade foi compartilhada no Instagram (@muquifu) da instituição.



Visite o museu você também!
Rua Santo Antônio do Monte, 708
Vila Estrela / Santo Antônio
Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil
Muquifone: 31 98798-7516
E-mail: comunicacaomuquifu@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/muquifu/
Instagram: https://www.instagram.com/muquifu/
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¹ O congado é um festejo popular religioso afro-brasileiro mesclado com elementos religiosos católicos, com um tipo de dança dramática celebrando a coroação do rei do Congo, em cortejo com passos e cantos, onde a música é o fundo musical da celebração. É um movimento cultural sincrético, um ritual que envolve danças, cantos, levantamentos de mastros, coroações e cavalgadas, expressos na festa do Rosário plenamente no mês de outubro. São utilizados instrumentos musicais como cuíca, caixa, pandeiro e reco-reco, os congadeiros vão atrás da cavalgada que segue com uma bandeira de Nossa Senhora do Rosário. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Congada#Características>. Acessado em: 29/11/2018 às 16:58.


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