a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


quarta-feira, 21 de novembro de 2018

 Por
Laura Costa Pinheiro
Maria Angélica Mais
Isabela Montalto

“Um museu diferente”, com certeza essa expressão é uma das mais ouvidos quando se trata de definir o MUQUIFU : Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos. Padre Mauro, diretor do museu, já foi pároco da comunidade do Aglomerado Santa Lúcia e da capela na qual está localizado o museu; e nos conta sobre toda a trajetória do museu até o momento atual. Essa narrativa se funde e ramifica com a história do surgimento do aglomerado Santa Lúcia, anteriormente batizado pelos próprios moradores como ‘’ Vila Estrela’’; histórias de vida de diversas famílias; e, do surgimento da região periférica e modernização urbana que ocorreram em Belo Horizonte.

    Algumas da mais notáveis peculiaridades do MUQUIFU são referentes à sua sede. O museu se encontra dentro da área periférica de Belo Horizonte, entre moradias de luxo e o dito ‘’Morro do Papagaio’’, no aglomerado Santa Lúcia, uma área considerada com considerável índice de violência na cidade. Ainda podemos apontar o fato de que o acesso para entrada no museu é a partir da entrada da Igreja da comunidade. Essa mesma igreja apresenta uma configuração particular, à frente nos deparamos com uma árvore centenária,imponente e significativa, é mistura entre Ficus e Gameleira; As paredes da entrada e o muro são grafitados e a parte interna de toda a capela, exceto pelo altar, são pinturas que ilustram a história da comunidade e homenageiam personalidades que se envolveram diretamente com a história da igreja e da comunidade. Dentro da capela, existe uma cozinha, um quartinho, e a entrada para o espaço do MUQUIFU.


    As pinturas  que cobrem as paredes da capela são um registro  da história do Aglomerado Santa Lúcia, de pessoas que influenciaram, em diferentes momentos, na construção do espaço para o culto religioso, na conquista do território do morro, quando ainda era desocupado; nas atividades culturais e em busca da paz na comunidade. Cenas das 7 dores e 7 alegrias de Maria, tem sido pintadas ao longo dos últimos 3 anos, homenageando e registrando as dinâmicas desse espaço.
     Padre Mauro conta como surgiu a igreja, dos desafios enfrentados por 14 mulheres da comunidade que lutaram para ter seu espaço de devoção, suas histórias e como cada uma está representada e incorporada às cenas bíblicas. Histórias de dores e alegrias bem como a de Nossa Senhora. É fascinante observar as paredes onde estão retratadas como uma miscelânea, o bíblico, sagrado, e a história viva da comunidade.

Transitar pelo espaço religioso para se chegar até o museu em si, desperta a sensibilidade, para que se compreenda a proposta do próprio museu, para que se dê e receba sentido  durante a visitação. A intenção é exatamente de se contar a história do Muquifu a partir das pessoas e do espaço que o conceberam, desde o início. O museu conta com um acervo interessante, grande parte doados pelos próprios moradores da comunidade, alguns, como os objetos de cunho religioso e ritualístico. É necessário salientar que o aspecto expositivo se diferencia do “museu tradicional”, as paredes são de tijolos, sem reboco, a iluminação é simples, e tudo isso complementa a própria proposta do museu, o acervo e as histórias. Podemos citar como exemplo do tipo de abordagem do museu, que condiz com o contexto social e geográfico no qual o MUQUIFU se encontra a exposição que discute sobre a relação entre as empregadas domésticas, os patrões, e o fato de os quartos destinados às ‘’serviçais’’  serem o tipo atual de senzala. Na referida exposição, está disposto um pequeno quarto, representando o espaço destinado às empregadas domésticas nas casas, suas paredes estão repletas de relatos de mulheres e filhos dessas mulheres que viveram em quartinhos como aquele. Os visitantes e os moradores da comunidade se identificam, comovem e dialogam com uma temática totalmente pertinente à realidade da comunidade.

A partir da experiência de visitar o MUQUIFU, dialogando com o padre Mauro e o artista plástico Claiton -responsável pela pintura da capela, compreender e se encantar pelos museus comunitários torna-se uma tarefa fácil e gratificante. Afirmamos com segurança, pois, no ambiente do MUQUIFU se reconhece a participação e a identidade da comunidade em todos os momentos de constituição e manutenção desse espaço. Seja nos momentos e rostos pintados nas paredes, seja no acervo emprestado, nas oficinas, nos eventos promovidos pela instituição e principalmente no envolvimento político, social e afetivo que  aproxima e reforça a identidade da comunidade com o território e com o museu em si (estrutura e discurso). O MUQUIFU é mais que um museu comunitário e ou de território; antes e acima de tudo, ele se tornou um espaço de resistência e guarda de memória.
A dinâmica urbana que surgiu com o êxodo rural e a modernização da nova capital de Minas Gerais, há tanto tempo atrás, tem reflexos e persiste até hoje. A comunidade de Santa Lúcia, antiga Vila Estrela, sempre foi um espaço de resistência. Ali se afixou uma comunidade que ainda resiste e o MUQUIFU é um  exemplo desse movimento, de dificuldades com certeza, mas principalmente de conquistas. Por isso, atualmente, ele não somente resiste, como resgata e guarda sua memória.

A experiência do Museu de Quilombos e Favelas Urbanos, ilustra muito bem as dificuldades e o papel dos museus no mundo contemporâneo; considerando desafios enfrentados cotidianamente em tantas esferas - políticas, culturais, financeiras, históricas, geográficas e outras mais-  e considerando também a missão e os objetivos de um museu. No mundo contemporâneo, a Museologia se faz necessária principalmente no que tange as áreas da museologia social e comunitária; desde que se faça esse trabalho com seriedade e compromisso, uma vez que o seu impacto é forte e necessário.

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