Eu(Michelle) e outras moças da museologia somos estagiárias no CAPS 1,
em Ouro Preto. Nosso estágio consiste em documentar as obras produzidas pelos
pacientes em oficinas terapêuticas. Por essa
razão, fomos convidadas para visitar o Museu de Imagens do Inconsciente na
cidade do Rio de Janeiro, no dia 13 de dezembro de 2013. Esta instituição é
localizada no Engenho de dentro, no Instituto municipal Nise de Silveira. Pertence ao acervo deste museu, as obras
realizadas pelos internos nos ateliês de modelagem e pintura. Estas atividades foram estabelecidas pelo Serviço de Terapêutica Ocupacional, projeto organizado pela psiquiatra Nise de Silveira,
importante defensora da reforma psiquiátrica, na metade do século XX.
Visitando a exposição, uma das
artistas que despertou minha atenção foi a Adelina Gomes. Há dois motivos para tal
efeito. Primeiramente, meu interesse pelos estudos de gênero. As obras de
Adelina expressam as subjetividades femininas.
A paciente retratou em suas obras, famílias, flores, bonecas, festas,
casais, dentre outros. Para os estudos de gênero, consiste uma forma de entender e refletir
sobre a construção social dos papéis femininos, a partir da arte, e neste caso
específico, a relação entre gênero e loucura. De acordo com as legendas da
exposição, “Adelina era filha de camponeses, nasceu em 1916, na cidade de
Campos, estado do Rio de Janeiro. Fez o curso primário e aprendeu vários
trabalhos manuais numa escola profissional. Aos 18 anos apaixonou-se por um
homem, que não foi aceito pela família. Tornou-se cada vez mais retraída, sendo
internada em 1937, aos 21 anos. Começou a frequentar o ateliê de pintura em
1946, primeiramente, dedicou-se a trabalhar em barro, modelando figuras que
impressionam pela sua semelhança com imagens datadas do período neolítico. Na
sua pintura pode-se acompanhar passo a passo as incríveis metamorfoses que ela
vivenciou. Tornou-se uma pessoa dócil e simpática produzindo com intensa força
de expressão cerca de 17.500 obras.”
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Óleo sobre tela por Adelina Gomes |
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Óleo sobre tela por Adelina Gomes |
O segundo motivo que despertou meu
interesse foi porque as obras de Adelina Gomes remetem a uma artista e paciente do
CAPS, Nadir Pena. A artista mineira nasceu em
Pedra Corrida, no dia 10 de janeiro de 1953. A convite, de seus
amigos hippies veio para Ouro Preto, em 1969, pois como uma boa revolucionária
que era, desejava consertar o mundo. Foi influenciada pelo pai que lutou contra
a ditadura militar, no golpe de 1964. Em 1998, começou a frequentar o Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) e foi neste espaço, que se iniciou nos caminhos da pintura.
Como se encontrava depressiva, pintava mulheres chorando. Através das oficinas
de arteterapia oferecidas pelo CAPS, sensibilizou-se pelo mundo das artes e foi
estudar na Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP). Ali, participou de cursos de
pintura, serigrafia, xilogravura, dentre outros. A artista seguiu o caminho das
pinturas, utilizando como técnica e material, tinta para tecido sobre Eucatex.
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Tinta para tecido sobre eucatex por Nadir Pena |
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Tinta para tecido sobre eucatex por Nadir Pena |
As obras da artista revelam toda
dualidade de seu universo feminino, as mulheres de Nadir são retratadas em
diversas etnias e culturas, porém todas carregam as subjetividades das
experiências de vida da própria artista. São várias, mas ao mesmo tempo uma,
que é denotado pelo traçado de suas feições. Esta relação entre o particular e
o universal faz com que o público se identifique com essas figuras femininas
pertencentes a mundos distintos, porém iconograficamente coadunados pelos
símbolos presentes nas obras. Essa simbologia é representada por elementos da
natureza - pássaros, serpentes, flores, fogo. A espiritualidade também é tema
recorrente, a presença divina representada a partir do olho, trazendo a
onipresença e onisciência de Deus, que não só a acompanha em todos os momentos
da vida como a protege. As Guerreiras de
Nadir Pena mostram a sagacidade da figura feminina que enfrenta as agruras da
vida com garra, mas que também é capaz de se superar, como expressa a própria
artista, muitas vezes com: “tristeza na alma e sorriso no coração”.
É fascinante pensar como duas mulheres,
Adelina e Nadir, de épocas distintas, cidades diferentes, podem criar uma
produção artística semelhante, a partir da transformação das subjetividades
e experiências femininas em arte e resistência perante as dificuldades que
permearam suas vivências.
fotos Adelina: http://www.ccs.saude.gov.br/nise_da_silveira/imagens
fotos Nadir: Sandra Cardoso e Michelle Louise Guimarães.
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