a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Adelina e Nadir: experiências e subjetividades no universo feminino.

          Eu(Michelle) e outras moças da museologia somos estagiárias no CAPS 1, em Ouro Preto. Nosso estágio consiste em documentar as obras produzidas pelos pacientes em oficinas terapêuticas.  Por essa razão, fomos convidadas para visitar o Museu de Imagens do Inconsciente na cidade do Rio de Janeiro, no dia 13 de dezembro de 2013. Esta instituição é localizada no Engenho de dentro, no Instituto municipal Nise de Silveira.  Pertence ao acervo deste museu, as obras realizadas pelos internos nos ateliês de modelagem e pintura. Estas atividades foram estabelecidas pelo Serviço de Terapêutica Ocupacional, projeto organizado pela psiquiatra Nise de Silveira, importante defensora da reforma psiquiátrica, na metade do século XX. 
           Visitando a exposição, uma das artistas que despertou minha atenção foi a Adelina Gomes. Há dois motivos para tal efeito. Primeiramente, meu interesse pelos estudos de gênero. As obras de Adelina expressam as subjetividades femininas.  A paciente retratou em suas obras, famílias, flores, bonecas, festas, casais, dentre outros. Para os estudos de gênero, consiste uma forma de entender e refletir sobre a construção social dos papéis femininos, a partir da arte, e neste caso específico, a relação entre gênero e loucura. De acordo com as legendas da exposição, “Adelina era filha de camponeses, nasceu em 1916, na cidade de Campos, estado do Rio de Janeiro. Fez o curso primário e aprendeu vários trabalhos manuais numa escola profissional. Aos 18 anos apaixonou-se por um homem, que não foi aceito pela família. Tornou-se cada vez mais retraída, sendo internada em 1937, aos 21 anos. Começou a frequentar o ateliê de pintura em 1946, primeiramente, dedicou-se a trabalhar em barro, modelando figuras que impressionam pela sua semelhança com imagens datadas do período neolítico. Na sua pintura pode-se acompanhar passo a passo as incríveis metamorfoses que ela vivenciou. Tornou-se uma pessoa dócil e simpática produzindo com intensa força de expressão cerca de 17.500 obras.”
Óleo sobre tela por Adelina Gomes
Óleo sobre tela por Adelina Gomes
            O segundo motivo que despertou meu interesse foi porque as obras de Adelina Gomes remetem a uma artista e paciente do CAPS, Nadir Pena. A artista mineira nasceu em Pedra Corrida, no dia 10 de janeiro de 1953. A convite, de seus amigos hippies veio para Ouro Preto, em 1969, pois como uma boa revolucionária que era, desejava consertar o mundo. Foi influenciada pelo pai que lutou contra a ditadura militar, no golpe de 1964. Em 1998, começou a frequentar o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e foi neste espaço, que se iniciou nos caminhos da pintura. Como se encontrava depressiva, pintava mulheres chorando. Através das oficinas de arteterapia oferecidas pelo CAPS, sensibilizou-se pelo mundo das artes e foi estudar na Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP). Ali, participou de cursos de pintura, serigrafia, xilogravura, dentre outros. A artista seguiu o caminho das pinturas, utilizando como técnica e material, tinta para tecido sobre Eucatex.
Tinta para tecido sobre eucatex por Nadir Pena
Tinta para tecido sobre eucatex por Nadir Pena

         As obras da artista revelam toda dualidade de seu universo feminino, as mulheres de Nadir são retratadas em diversas etnias e culturas, porém todas carregam as subjetividades das experiências de vida da própria artista. São várias, mas ao mesmo tempo uma, que é denotado pelo traçado de suas feições. Esta relação entre o particular e o universal faz com que o público se identifique com essas figuras femininas pertencentes a mundos distintos, porém iconograficamente coadunados pelos símbolos presentes nas obras. Essa simbologia é representada por elementos da natureza - pássaros, serpentes, flores, fogo. A espiritualidade também é tema recorrente, a presença divina representada a partir do olho, trazendo a onipresença e onisciência de Deus, que não só a acompanha em todos os momentos da vida como a protege.  As Guerreiras de Nadir Pena mostram a sagacidade da figura feminina que enfrenta as agruras da vida com garra, mas que também é capaz de se superar, como expressa a própria artista, muitas vezes com: “tristeza na alma e sorriso no coração”.
         É fascinante pensar como duas mulheres, Adelina e Nadir, de épocas distintas, cidades diferentes, podem criar uma produção artística semelhante, a partir da transformação das subjetividades e experiências femininas em arte e resistência perante as dificuldades que permearam suas vivências.

fotos Adelina:  http://www.ccs.saude.gov.br/nise_da_silveira/imagens
fotos Nadir: Sandra Cardoso e Michelle Louise Guimarães.

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