a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Reflexões sobre a exposição da memória sensível: o Museu da Loucura em Barbacena


Os museus são, não os únicos, mas um dos possíveis lugares de memória e, assim sendo, vale refletir sobre os impactos de como essa memória é construída, cultivada e compartilhada. A partir da visita realizada ao Museu  da Loucura em Barbacena (MG) proponho algumas reflexões acerca da memória sensível a qual o museu representa, essa que diz respeito a traumas vivenciados por um grupo da sociedade e que impactam pessoas diferentes, de formas diferentes. 

Existe apenas uma forma de comunicar o sensível? Existe jeito errado? As percepções de uma visita realizada com olhos museológicos não busca essas respostas mas sim reflexões que permeiam a teoria e possibilitam a cada estudante pensar em adaptações, exemplos positivos e nas percepções de público e comunicação. Ao entrar no Museu da Loucura recebemos um forte impacto. Mas, o que vem depois do impacto? 

No artigo “Incômodo e assustador”: visitação e experiência no Museu da Loucura de Barbacena - MG (Brasil)” os autores Pinheiro e Chemim buscam analisar as “experiências de visitação no Museu da Loucura de Barbacena segundo relatos e fotografias fotografias compartilhados nos sites Google Local Guides e TripAdvisor” (2022, p. 02). Segundo os autores, a maioria dos comentários nesses sites eram de público local, ou seja, moradores de Barbacena e cidades próximas. É recomendável a leitura do artigo na íntegra, destaco aqui algumas análises dos comentários: 


No âmbito dos comentários que indicavam um choque de realidade, os visitantes afirmam que conhecer a verdade é como um “soco no estômago” (Google Local Guides, nº 119) que auxilia no desejo de efetivar mudanças: “Devemos nos chocar com a realidade para colocar seguirmos produzir mudanças. [...] É incômodo e assustador. Repensamos nossa vida” (Google Local Guides, nº 86). Isto indica que o desenvolvimento de sensações negativas nos visitantes não induz necessariamente a uma avaliação negativa da experiência, mas sim, contribui para o desdobramento da transformação pessoal individual ao final da experiência. (PINHEIRO, CHEMIM. 2002, p. 12)

 

E ainda, 

A temporalidade no Museu da Loucura é representada em passagens a este estilo: “Foi uma experiência muito forte, você se sente lá na época em que o lugar estava ativo” (Google Local Guides, nº 69) e “[...] Foi como um mergulho ao passado não tão distante e um reconhecimento de como a humanidade é frágil” (Tripadvisor, nº 48). A capacidade de evocar o passado parte, em sua maioria, da exposição de fotografias e objetos do Hospital Colônia. Isto ocorre, pois, estes componentes solidificam as condições da época no imaginário do visitante, conectam a história com o presente e induzem a pensar nas ações do futuro. (PINHEIRO, CHEMIM, 2002, p.13)

 

Os comentários de forma geral, comprovam que o museu causa forte impacto aos visitantes. No entanto, quanto desse impacto é sensível à memória das pessoas que foram vítimas do holocausto brasileiro? Pessoalmente, a sensação que fica é a da de que faltam histórias. A falta da individualidade. Quem são as pessoas que estiveram ali? Sabemos que eram enviadas para reclusão as pessoas indesejadas pela sociedade naquele período, incluindo pessoas em situação de rua, mulheres com gravidez fora do casamento, mulheres abandonadas pelos maridos ou pelos pais, crianças, homossexuais, meninas que sofreram abuso sexual, entre tantas outras. Mas, quem são essas pessoas? Qual a sua história? O que podemos fazer para que, ao “voltar ao passado” do holocausto brasileiro a individualidade dessas pessoas não seja mais uma vez negligenciada? E qual a perspectivas de futuro, qual a sementinha da reflexão pode ser plantada pela conscientização, para que essas pessoas, ainda hoje marginalizadas, não continuem sendo? 


REFERÊNCIAS


PINHEIRO, Anne Louise; CHEMIM, Marcelo. Incômodo e assustador”: visitação e experiência no Museu da Loucura de Barbacena - MG (Brasil). Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo. Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, PR, Brasil, 2022.







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