a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


sábado, 22 de março de 2025

Passado no Presente: A ressignificação do acervo no Museu Mariano Procópio - Juiz de Fora-MG

A visita técnica aos museus Memorial da República Presidente Itamar Franco e Mariano Procópio, na cidade de Juiz de Fora - MG, em consonância com a bibliografia estudada na disciplina "Museu no Mundo Contemporâneo", despertou em mim algumas reflexões. Ao analisarmos o contexto dessas duas instituições museológicas, percebemos um contraste marcante: de um lado, um museu contemporâneo, criado há 10 anos em um edifício projetado especialmente para sua função; do outro, um museu inaugurado em 1921, instalado em um imponente palacete do século XIX. O que essas duas instituições teriam em comum, considerando o intervalo temporal que as separa? Ambas possuem, em sua essência, acervos com um contexto histórico tradicional.


Circuito expositivo Museu Memorial Itamar Franco
 
Circuito expositivo Museu Mariano Procópio 



Diante das discussões contemporâneas, que buscam tornar os museus espaços mais representativos, democráticos e inclusivos, surge a questão diante das instituições visitadas: como aproximá-los da comunidade em que estão inseridos? No artigo publicado por Marta Anico, que aborda o impacto da globalização na cultura e nas instituições museológicas, um tema também discutido em aula, chamou minha atenção por sua forte relação com os museus visitados. A autora analisa como, por muito tempo, os museus reforçaram, tanto em suas narrativas quanto em suas expografias, a ideia de “autoridade” do objeto. Nessas abordagens tradicionais, os acervos eram valorizados por sua autenticidade, originalidade e unicidade, reforçando um caráter elitista. No entanto, na contemporaneidade, essas instituições vêm se readequando para trazer narrativas simbólicas que geram reflexões, debates, embates e principalmente representatividade de narrativas silenciadas, por meio dos acervos expostos.


Ânfora Imperial

Mobiliário Imperial 


Nesse sentido, como tornar essas instituições de caráter histórico mais inclusivas e representativas? Em ambos os museus visitados, tanto no Memorial Itamar Franco quanto no Museu Mariano Procópio, o setor educativo desempenha um papel crucial ao estabelecer uma ponte entre o público e o acervo, trazendo esses objetos que representam um passado, para as discussões do presente.  No Museu Mariano Procópio, em especial, observa-se o engajamento de toda a equipe, ainda que pequena, nos processos que garantem o bom funcionamento da instituição. Vale destacar que o museu está situado dentro de um parque de grande importância para a comunidade juiz-forana, que utiliza o espaço para atividades cotidianas. Dessa forma, o museu carrega uma forte carga emocional e representativa para a população.



Bem móvel integrado ao parque do Museu Mariano Procópio

Vista do parque 

O Museu Mariano Procópio permaneceu fechado para reformas desde 2007, reabrindo apenas em 2023. Durante esse período, os colaboradores tiveram um papel fundamental não apenas na reabertura da instituição, mas também na ressignificação do acervo. Restauradores e conservadores participaram ativamente de alguns processos de restauração dos edifícios, e os próprios funcionários foram responsáveis por toda a reestruturação expográfica, seleção dos acervos, redação de textos, iluminação e organização do museu.

O circuito expositivo é estruturado a partir da história das coleções, a partir da coleção doada por Alfredo Ferreira Lage. Nos primeiros módulos, a exposição remete a um gabinete de curiosidades, com acervos voltados para o cientificismo, incluindo conchas, animais taxidermizados, minérios e rochas, além de pinturas imponentes. Posteriormente, os módulos passam a contextualizar a história brasileira, destacando artistas nacionais e também da história do próprio museu e sua coleção. Um dos módulos que mais me chamou a atenção foi o dedicado à representação feminina na arte e nas dinâmicas sociais do período, a partir da coleção da Viscondessa de Cavalcanti. Essas figuras e narrativas são fundamentais para desconstruir a visão do papel feminino apenas como passivo, mas também como autoras e detentoras da história.

Leque da Viscondessa de Cavalcanti, figura feminina importante do século XIX.
 

Escultura de representação feminina correlacionada com poema de Machado de Assis.

Conchas do módulo que representa a narrativa dos gabinetes de curiosidades

Detalhe de uma obra com a representação feminina

Por fim, no último módulo expositivo, o museu propõe uma reflexão sobre os desafios contemporâneos, abordando a importância do coletivo na construção e reconstrução da instituição. É interessante observar que, nesse módulo, o próprio objeto museológico assume um novo caráter, com a exposição de publicações feitas pela instituição, evidenciando suas ações para ampliar a comunicação com o público e promover a integração da comunidade. Nesse sentido o valor do objeto está atrelado muito mais ao seu valor simbólico do que ao valor de autenticidade. 

Publicações como acervo Museológico 


Obra realizada com as antigas chaves do Museu

A visita foi extremamente enriquecedora. Também tivemos a oportunidade de conhecer alguns setores técnicos da instituição, como a reserva técnica, o setor de fotografia, a biblioteca e o acervo histórico. Foi possível perceber o comprometimento dos colaboradores com processos fundamentais para a (re)construção e preservação da memória, evidenciado pelo cuidadoso acondicionamento dos acervos e pelas metodologias de documentação que potencializam a difusão do conhecimento e a extroversão desses acervos.


Reserva técnica do Museu Mariano Procópio


Acondicionamento de fotografias


                                 
 Fotografia da turma e os colaboradores do Museu Mariano Procópio



 

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