Há um tempo, comecei a perceber que o ato de visitar uma instituição museológica pode ser também dita como uma forma de ser visitado. Ser visitado, eu digo no sentido de se sentir tocado, sentir que esses espaços falam para além do dito, para além da materialidade, me fazem pensar muito, em muitos aspectos, tanto da vida pessoal como da profissão na Museologia, e sobre sentir que os objetos me passam mensagens. Mensagens essas, promovidas através da comunicação que ocorre no processo de uma visita a um museu. Como estudante de Museologia, consigo ser “ visitada” e me sinto reflexiva através de diferentes mecanismos que impulsionam o funcionamento de um museu. Me permito ter uma visão mais “analítica” nessas visitas para que os debates promovidos em sala de aula sirvam de parâmetro para analisar uma exposição como visitante, e então, que posteriormente, sirva de aprendizado e referência quando estiver no exercício da profissão.
A escritora Marta Anico (2006) coloca uma questão que se relaciona com esse pensamento quando ela diz que um museu gera uma consciência pessoal já que age como instrumento pedagógico e ideológico.
Neste contexto, irei descrever o relato pessoal de uma visita técnica realizada no mês de março vinculada ao programa de disciplina de Museu no mundo contemporâneo com foco nas formas como os museus se comunicam na contemporaneidade e que, potencializaram ainda mais o conceito de visitar e ser visitado.
Partimos para Juiz de Fora no dia 14/03/2025 em que a primeira instituição que visitamos foi o Memorial da República Presidente Itamar Franco que possui um acervo volumoso composto por arquivo de documentos e imagens, biblioteca e objetos pessoais que fazem parte do Sistema dos Acervos Documentais Privados dos Presidentes da República. A guarda dessa coleção, esteve com o Instituto Itamar Augusto Franco, desde 2002. Porém, em 2010, o acervo foi incorporado através da aprovação do Conselho Superior da Universidade Federal de Juiz de Fora. Já em 2015, foi efetuado a inauguração do Memorial.
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Vista da fachada do Memorial |
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Vista da fachada do Memorial |
O Memorial se destina a contar sobre a vida pessoal e vida pública de Itamar Franco e principalmente, seus feitos políticos. Sendo então, voltado para um Memorial com foco em educação patrimonial. O prédio fica localizado no centro de Juiz de Fora, com uma arquitetura modernista, presença de janelas em vidro e linhas geométricas. Esse fator, faz com que a aparência do prédio fique mais imponente e consequentemente mais parecido com algo que vemos no Planalto em Brasília. Por ser um prédio parecido com um prédio destinado a algo da prefeitura, a mediadora da visita Laura, relatou que o público espontâneo, sendo o público que passa pelo prédio quando estão pela rua do Memorial, se caracteriza como sendo bem baixo, algo que imagino ser justamente pela imponência da arquitetura. Nossa turma foi recebida por educadores e pelo diretor do Memorial para uma breve introdução e em seguida fomos até a sala multimídia localizada no segundo andar para conversar com a equipe e nos apresentar. Uma conversa leve e que, para um Memorial com carga alta de assuntos políticos, foi precisa para se conectar com o público de forma mais lúdica e simplificada. Laura nos fez uma pergunta bem simbólica, e que marcou nossa conversa: “Qual objeto te representaria em um museu”? Nos faz pensar em nossa trajetória, vinculando a trajetória de Itamar que tem vários objetos que o representa.
Em seguida partimos para visitar os circuitos expositivos. No segundo andar, o circuito se dividia em duas partes: A exposicao “ Real significado” dedicada a explicar acerca da trajetória do dinheiro até a criação do real em 1994 no governo Itamar Franco, que foi capaz de reduzir a inflação. E também a exposição “Que democracia sem educação?” contando acerca do professor de história Murilo Hegel que fez passagem pelo ministério da educação no governo de Itamar.
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Exposição Real significado
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Vista do circuito expositivo da exposição “Que democracia sem educação?” |
Partimos então para uma visita mais técnica e que o público espontâneo acaba nao visitando: o que gosto de pensar ser o “cerne do museu”, o bastidor de um uma instituição Museológica:
1: A sala do arquivo, contendo fotografias, documentos burocráticos e outros. Os mediadores da visita mostraram o processo de catalogar esses documentos, com ênfase na guarda digital. Destacaram também, a importância de o Memorial já ter realizado a digitalização das fotografias presentes no acervo para acesso digital, algo que facilita a divulgação e preserva o acervo real do manuseio e da dissociação.
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Arquivo fotográfico e seu acondicionamento |
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Visão da sala do arquivo |
2: Acervo Biblioteca do Itamar: Contendo diversos livros e revistas de diversos assuntos e datas, a Biblioteca abriga o acervo que Itamar possuía nesse tipo de suporte. Algo especial nesses livros, são as dedicatórias e mensagens deixadas nos livros que salientam as conexões sociais de Itamar. A mediadora Laura aceitou também sobre a importância da então secretaria de Itamar Franco na época de seus mandatos políticos, que foi responsável por compilar em diversos cadernos, as notícias da época que citavam o ex-presidente. Os cadernos, com nome de clippings. Esse saber executado por essa mulher, que sem saber, ela teve a potência de guardar com dedicação registros importantes para a história do Itamar e o que se assemelhou muito a uma ficha de documentação que vemos na Museologia.
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Mediadora mostrando Revista Gazeta presente no acervo
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Livros de arte da coleção |
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Parte da coleção de cadernos de clipping |
No primeiro andar, a exposição com tema: destina a dar uma pincelada na história política do país a partir de uma extensa linha do tempo que termina na morte de Itamar e no governo Dilma. abaixo dessa linha do tempo, se estende um grande móvel com gavetas destinada a ser um expositor de objetos variados entre documentos pessoais como o boletim da escola e imagens de eventos e feitos políticos. Essas gavetas fazem parte de uma iniciativa da mediação cultural intitulada de chaves da memória.
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Mobiliário destinado a chaves da memória. |
Essa visita foi muito simbólica, pois ainda não conhecia de perto o funcionamento de um Memorial e ainda com um cunho político. Fez muito sentido para mim saber que o Itamar se manteve como prefeito na cidade de Juiz de Fora duas vezes e por isso o Memorial estar localizado nessa cidade.
No dia 15/03/2025 partimos para a visita no Museu Mariano Procópio, que abriga a coleção de Alfredo Ferreira Lage, que herdou do engenheiro Mariano Procópio a casa de estilo neo renascentista junto a criação de um prédio anexo que viria a ser o museu. O Museu está localizado dentro de um amplo parque, espaço de interação, de diversão e contato com o meio ambiente pelos moradores do entorno e comunidade da cidade, símbolo de lazer e muitas vezes dito como lugar que faz rememorar a infância, ou seja, um ambiente importante na vida de um morador da cidade que guarda com carinho as memórias afetivas desse espaço. O museu, esteve fechado durante 16 anos, algo que impactou no convívio da comunidade com o contato com a instituição e parque, um espaço que não estava executando sua função da maneira que deveria estar: aberto ao público.
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Vista da fachada do Museu Casa Mariano Procópio
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Vista do Parque Mariano Procópio |
Foi uma visita super especial, pois toda a equipe do Museu se movimentou para receber a nossa turma. Uma equipe coesa que juntos conseguiram reabrir por completo as salas de exposição do museu no ano de 2023. A exposição “Fios de memória - a formação das coleções do Museu Mariano Procópio” instalada no segundo andar do museu foi estruturada a partir do vasto acervo da coleção de Alfredo Ferreira Lage. Essa coleção por sua vez, mesmo que variada e muito parecida com a concepção de gabinetes de curiosidade de meados do século XVII. E que, se pensar na contemporaneidade, existe uma dificuldade em se expor esse tipo de acervo tão amplo de modo a se passar uma mensagem e a se relatar sobre a época que ela representa. Mesmo diante da dificuldade de se trabalhar com a curadoria desses objetos que vão desde mobiliário, armaria, fotografias, documentos, e um grande acervo de peças do período imperial, a curadoria realizada foi feita de modo a se contestar cautelosamente sobre o acervo, e algo muito significativo, foi a de não deixar de colocar objetos simbólicos para a população de Juiz de Fora, como o quadro de Tiradentes e a onça taxidermizada, itens esses que são identificados pelos moradores como sendo importantes e que fazem lembrar o museu.
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Vista do circuito expositivo |
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Vista da sala destinada a animais taxidermizados. |
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Obra "Jornada dos Mártires", 1928 - Antônio Parreiras na sala de artistas brasileiros |
Durante a mediação, a museóloga da instituição parecia muito empolgada em poder estruturar a exposição dando ênfase para os debates que os objetos trazem. O ato de colecionar é colocado como um ato de memória e por isso as salas tinham diferentes temas sobre os diferentes tipos de obras dessa coleção rica de Alfredo como por exemplo a sala de arte brasileira. O ponto mais importante que me chamou atenção foi justamente perceber a possibilidade de poder criar discursos diferentes e causar questionamentos e me admirou ver que mesmo com pouco ( ja que não há uma grande expografia na exposição, apenas a utilização de mobiliários já pertencentes ao museu e plotagem de textos) o museu conseguiu cumprir seu papel de lugar de confronto e não um lugar apolítico e neutro.
Visitamos também a reserva técnica do museu, a sala do arquivo fotográfico e arquivo documental e pudemos ver de perto a organização e manutenção executada pelos funcionários. Na sala do arquivo fotográfico, acredito que foi uma surpresa geral da turma de poder ver um acondicionamento tão bem executado e que mantém o acervo livre da dissociação e auxilia no ato de localizá-lo quando necessário.
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Reserva técnica |
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Ação de inclusão - Material tátil |
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Acondicionamento de fotografias |
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Acondicionamento de fotografias |
Partimos para visitar o museu casa que morou a familia Ferreira Lage. O casarão é conectado através de uma passarela ao museu. O casarão passou por uma demorada restauração para que fosse possível retornar alguns aspectos originais da construção. A casa se mantém ambientada como se fosse uma casa habitada, os quartos e banheiros possuem acervo como mobiliários e indumentária.
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Vista da passarela que liga o museu ao museu casa |
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Cenografia de uma das salas do museu |
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Janela de prospeção em que é possível ver o revestimento antigo da parede |
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Vista da sala de música |
Concluo que as duas instituições mantêm diálogo com a contemporaneidade. É possível ver nelas a pauta de se manterem ativas. Ressalto o que a autora Marta Anico diz sobre as novas formulações de uma sociedade plural, multivocal, fragmentada que implica que profissionais e acadêmicos tendam a rever a organização e funcionamento das instituiçōes em um processo não tão tranquilo que gera tensões entre as referências tradicionais e as mudanças e que faz com que os museus revejam seu papel numa sociedade pós-industrial e pós-colonial. E que ao visitar as duas instituições foi possível ver como essas transformações estão ocorrendo e como elas se estabelecem em diferentes contextos históricos diferentes. Concluo também ter sido visitada nesse processo pela mensagem das duas instituições que executam seu papel de divulgar a informação com equipes tão empenhadas e dinâmicas.
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Turma de Museologia junta aos colaboradores do Memorial da República Presidente Itamar Franco |
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Turma de Museologia junta aos colaboradores do Museu Mariano Procópio |
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