Era uma manhã de sábado, 09 de novembro, eu havia ido dormir tarde no dia anterior, ultimamente meu sono anda meio desregulado com esse fim de período. Mas incrivelmente nesse dia sair da cama não me pareceu ardiloso. Eu tinha um motivo. A visita técnica. Um rock a fantasia. Tudo no mesmo dia. Coloquei minha fantasia de fada em uma sacola. Peguei uns trocados na escrivaninha pra pagar o almoço na estrada. Subi aquele morro da bauxita. Era um dia nublado. Quase chuvoso. Mas logo que cheguei na UFOP vi uma amiga. E logo apareceu outra. E outra. Guardamos nossas roupas em uma sala do prédio do EDTM.
Passou um tempo, e logo o ônibus que nos levou pra Barbacena apareceu. Embarcamos. Um pouco atrasados. Mas logo chegamos naquela cidadezinha que sempre ouvi falar.O ônibus quase não conseguiu atravessas o arco que fica nessa entrada do museu e hospital. Sim, os dois ficam juntos. As energias desses lugares se misturavam em um ar de intrigante. Logo avistamos uma placa. "Museu da Loucura". Uma escada dava acesso a entrada. Algo que reflete a falta de acessibilidade.
Nesse local encontramos um senhor, simpático, com uma blusa azul que nos recepcionou. Em um corredor ao seu lado um quadro trazia uma breve história sobre a construção do Complexo de Assistência dos Alienados de Minas Gerais, fundado em 1900. Ao fim desse corredor um Troféu Cidadania.que o Centro Psiquiátrico de Barbacena recebeu. Na descrição falam sobre a denuncia que sofreram na década de 70. No qual o hospital foi comparado a um "campo de concentração". Afirmando que o museu retrata esse passado de horrores, para que não possa mais ser repetido. Aqui eu respiro e fico pensando se essa é a função da história. Logo minha amiga me chamou.
Fomos para a primeira sala. Escura. Trazia elementos como um telefone antigo.Uma linha do tempo. O sanatório e sua estação. Uma primeira ambientação. Achei tranquilo. Afinal não havia nada quanto a faixa etária que poderia visitar o museu. Entretanto, logo todo clima foi impactado por uma boneca velha, com roupas maltrapilhas, suja. Ao seu lado um boneco de pano, com um chapéu preto, uma gravata verde segurando uma caixa. Abaixo a descrição que ambos pertenceram a indivíduos que estiveram internados no hospital. Aqueles bonecos que eram algo que significavam normalmente diversão. Dentro dos limites daquela vitrine traziam uma experiência dolorosa. Um acesso a uma memória que quer ser esquecida. Essa era apenas a segunda sala.
Boneca que pertenceu à paciente Sueli Aparecida Resende ( 1855-2009)
Bonecas de pano feitas por pacientes do Hospital Colonia
Pratos, canecas de alumínio e cachimbos que pertenceram a pacientes.
Um aparelho chamado eletrocardiograma desenvolvido na década de 1930 na Itália abria espaço para uma outra sala. Abaixo dele a descrição apresentava os riscos que esse e diversos outros instrumentos como aquele causavam no paciente. Ao lado um painel trazia fotos dos internos e um dizer " tira nóis dessa prisão" . Uma prisão que era abastecida constantemente por "trens de doido". Um painel trazia essa informação, essa era " a cidade dos doidos". Com algemas. Correntes. Camisas de força, Manchons, Correias, Faixas, Cordas. Grades. Inclusive, uma vitrine trazia uma dessas grades. A ultima grade. Fechada em 1990. Tudo isso como forma de conter e silenciar o sofrimento de quem queria apenas gritar. Porém esses gritos foram ouvidos.
Uma escada em espiral nos levou a sala com várias manchetes de jornais. A mídia foi a porta-voz dessa violência. "Em nome da razão" um documentário que havíamos assistido uma semana antes na aula, foi retratado como elemento importante na luta "anti-manicomial". Na sala ao lado cartazes e tapetes iluminavam a saída com informações e noticias em prol do 18 de maio. Dia Nacional da Luta anti manicomial. Porém não acabou. Uma sala que cabia no máximo 2 pessoas. Trazia os instrumentos e fotos que retravam os horrores da lobotomia. Prática comum na época para tratamentos de pessoas consideradas "desajustadas".
Manchetes de jornais denunciando os horrores Sala da Lobotomia
Na frente dessa sala uma ultima. Toda escura trazia um poema no centro retratando como os "doidos" eram excluídos pela sociedade. Em cada canto desta sala havia uma caixa de som com áudio das entrevistas que Helvécio Ratton fez com as vitimas desse massacre.Na saida uma grade com a foto de uma mulher atrás, finalizava a visita com ecos dos gritos dados nesse local. Ao sairmos a chuva já caia. Fomos para o ônibus. Depois de alguns minutos, todos estavam calados seguimos viajem.

F
oto da mulher e a grade
Nesse silêncio, eu observava aquela estrada. O horizonte cheios de morros. Os pingos de chuva correndo pela janela. E refletia sobre como o museu da loucura enquanto trauma, ferida na memória, causa uma falta de capacidade de recepção. É perceptível que mesmo diante de todos os limites da representação o real é algo traumático Por isso silenciar é muitas vezes aliar-se ao viver. Afinal são poucos os brasileiros que se lembram dessa história.
Contudo, hoje, creio eu, estamos nos aproximando de um progresso no processo de rememoração de eventos traumáticos. Afinal, por exemplo, já existem aplicativos de turismo que indicam o próprio museu da loucura enquanto local a ser visitado. Isso é um avanço. Porém ainda se tem muito a que caminhar na busca por uma história que traga a voz dos oprimidos. Não apenas com a história dos vencedores.
Por isso, é preciso ter em mente que que se conte essa história traumática enquanto indicível não pra que se conheça ela, mas sim " para que tomem consciência de que nunca a conheceremos".Chegamos em Ouro Preto. Hora de festejar. A liberdade dos pretos, Lgbts, mulheres independentes, dos oprimidos. A luta não acabou aqui. Amanhã há de ser outro dia.
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