a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Holocausto Brasileiro - A história por traz da "loucura"

"Texto com base a partir da experiência e material analisado sobre o Museu da Loucura- Barbacena MG" (DEMUL/UFOP)


Fonte:Daniela Arbex
1) Os loucos somos nós, Daniela Arbex devolve nome, historia e identidade àqueles que até então eram registrados como "ignorados de tal". Eram um não ser. Pela narrativa eles retornaram, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste; Antonio da Silva, porque era epilético ou ainda Antonio Gomes da Silva sem diagnóstico, que vinte e um, dos seus trinta e quatro anos de internação mudo, porque ninguém se lembrou de perguntar  se ele falava.São Sobreviventes de um holocausto que atravessou a maior parte do século XX, vivido na colônia, como era chamado o maior hospício do Brasil, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais. Como pessoas, não mais como corpos sem palavras, aqueles que foram chamados de "doidos", denunciam a loucura dos "normais". As palavras sofrem com a banalização . Quando abusados pelo nosso despudor, são roubados em seus sentidos. Holocausto é uma palavra assim: Em geral, soa como exagero quando aplicado a algo além de assassinato em massa de judeus pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Neste livro porém , seu uso é preciso. Terrivelmente preciso. Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Tinham sido em sua maioria enfiadas nos vagões de um trem e internadas à força. Quando elas chegavam à Colônia, suas cabeças eram raspadas e as roupas arrancadas. Perderam seus nomes e foram rebatizadas pelos funcionários. Começaram e terminaram ali, cerca de 70%, não tinham um diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, pessoas que se rebelavam, gente que se tornava incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, eram esposas que eram confinadas para que os maridos pudesse morar com as amantes, eram filhas de fazendeiros que perdiam a virgindade antes do casamento. A parada na Estação Bias Fores era a última da longa viagem de trem que cortava o interior do país. Os deserdados sociais chegavam a Barbacena de vários cantos do Brasil, semelhando durante a Segunda Guerra Mundial,quando os judeus chegavam  para os campos de concentração nazista de Auschwitz. A expressão "trem de doido" surgiu pelo escritor Guimarães Rosa e foi incorporada ao vocabulário dos mineiros para definir algo positivo, mas infelizmente marcava o inicio de uma viagem sem volta ao inferno, Os recém chegados à estação da colônia, após a sessão de desinfecção. o grupo recebia o famoso "azulão", como eram conhecidos os uniformes dos internos. Fome e sede eram permanentes no local onde o esgoto que cortava os pavilhões, serviam muitas vezes como fonte de água. Nem todos tinha estômago para se alimentarem de bichos, mas os anos na Colônia, consumiam os últimos vestígios de humanidade nos pacientes. Além da alimentação racionada no intervalo entre almoço e jantar, servidos ao meio dia e às 05 horas da tarde, os pacientes não comiam mais nada. Construído junto com o Hospital Colônia no inicio do século XX, o Cemitério da Paz, cuja área pertence à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, está desativado desde o final da década de 80. O psiquiatra, Jairo Toledo, que  respondeu pela direção do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena até março de 2013, explicou que após os cerca de 60 mil mortos enterrados ali,o terreno está saturado. 
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Fonte:Daniela Arbex
                                                          Fonte :Google imagens 
Documento do livro de registros da colônia confirmam a venda de peças anatômicas para a Universidade Federal de Minas Gerais, que adquiriu em uma década 543 corpos, para aulas de anatomia. Já a Universidade Federal de Juiz de Fora, foi responsável pela compra de 67 cadáveres entre fevereiro de 1970 e maio de 1972. Documentos dos Hospital mostram que na remessa feita em março de 1970, os corpos transformados como indigentes foram negociados por 50 cruzeiros cada um. O fornecimento de peças dobrava nos meses de inverno, época que falecia mais na Colônia . Se a procura era baixa, os mortos eram dissolvidos em ácido.
Nise da Silveira, foi a mulher que revolucionou o tratamento psiquiátrico do Brasil,. Ela enxergou a riqueza dos seres humanos e lhes deu a dignidade. Em terras de sanidade desenfreadas que permite a loucura contabilizar relatos selvagens.  A falta de utopia com um racionalismo paralisante de sonhar ou arrepender. Essa mulher se rebelou contra a psiquiatria de violentos choques,camisas de força e isolamento,  para propor um tratamento humanizado e reabilitação dos pacientes. Nise nos fala de uma atualidade em que a loucura é estigmatizada e polarizada, e cobramos de nós mesmos o tempo todo, como se não pudéssemos falhar. Essa mulher agigantou a humanidade ao cuidar de brasileiros rejeitados de uma história. O que retrata a loucura, é encontrar um pouco de nós mesmos e a própria existência. Nise da Silveira soube transformar o conhecimento do que é a loucura. Em 1944, Nise passou a trabalhar no Hospital Pedro II antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro. Como se recusou a fazer o tratamento da época, recebeu como punição, a transferência para o Setor de Terapia Ocupacional do Pedro II. Nise apontou falhas na Psiquiatria em seu contexto e suas soluções dando sentido ao tratamento e as relações entre o psiquiatra e paciente É nesse momento que Nise revoluciona o tratamento das doenças mentais.Em vez de permitir que seus pacientes fizessem serviços de limpeza ou levassem surras, práticas bastante corriqueiras até então, oferece a eles pincéis, tintas e telas em branco. Nos seus 94 anos de vida, publicou dez livros e vários artigos científicos.
                                        Fonte :Google imagens

Durante o decorrer da historia pouco se dá importância à questão do "Insano". Durante a idade média, tal problema era visto simplesmente como um erro, uma falha da razão. Os loucos vagavam livre pela sociedade. No renascimento, a loucura era vista como formas da razão. Na idade clássica entre os períodos entre o século XVI e XVII, identificou como algo que nos leva ao erro, e  o maior enfoque de exclusão seria dado, segundo Foucault, ao leproso.  Na idade clássica e  o advento da idade moderna, com o surgimento da psiquiatria e as mistificações da ciência, a loucura ganhava, por meio de discursos, a legitimidade  como doença. Assim, considerando certos domínios científicos , a loucura passaria a ser criminosa, perigosa, talvez "contagiosa", algo que nos leva ao erro. Uma doença à sociedade Desta forma ,no fim da idade clássica,  por meio do pensamento de Michel Foucault, o discurso sobre a loucura,  como formas de poder, isolamento ou punição, no intuito de mostrar tanto o saber médico, quanto a internação psiquiátrica, tornaram-se poderes institucionais da época. E como toda doença deve-se fazer existir uma cura. No século XVIII, o fenômeno de exclusão para os loucos se torna evidente com as internações e os hospícios se transformaram em fins terapêuticos e penitenciários.Desta forma, cabe nos perguntarmos como surgiu a necessidade de aprisionamento de um louco? É sob a influência do modo de internamento tal como ele se constituiu no século XVIII, que a doença se isolou uma certa medida de seu contexto médico e num espaço moral de exclusão se integrou ao ponto de vista institucional, num fenômeno bastante complexo do qual a medicina demorará a se apropriar do que é a "loucura".

Fonte :Google imagens


6) Portanto,o Museu da Loucura, remete à uma historia triste de torturas físicas e psicológicas , abandonos e crueldade à pessoas vindas de toda a Minas Gerais,  feitos pelo corpo clínico e administrativo do Hospital Colônia. Nessa trajetória, desde a sua fundação, foram realizados diversos experimentos de tratamentos como eletro choques que muitas vezes levava à morte de pacientes, que nunca tiveram diagnósticos precisos na causa do óbito.  Morriam-se também pela angústia, maus tratos, fome e frio, e pelo esquecimento com o decorrer do tempo, por parte de familiares. Perdia-se a identidade, assim que o trem chegava à estação Bias Fortes. Esse cenário rendeu comparações com os campos de concentrações nazistas Os pacientes eram então separados, por idade, sexo e características físicas. Com o passar dos anos, o descaso e erros de diagnósticos na área médica do Hospital Colônia, promoveu a superlotação do espaço onde praticamente se tornou um depósito de pessoas internadas por tristeza, gays, alcoólatras, mães solteiras, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos. Com capacidade para tratar aproximadamente 200 internos, chegou a ter 5 mil internos, em completa desumanização em seus complexos, com alimentação escassa, esgoto a céu aberto onde os internos se banhavam e bebiam água, pois também não tinham acesso à água potável.  Com isso, também era alta a taxa de mortalidade. Com excesso de sepultamento no cemitério anexo ao hospital Colônia, a venda da cadáveres de paciente internos para faculdades de medicinas se tornou uma rotina à partir dos anos 60, atingindo seu auge em 71, conforme registros da contabilidade do Hospital Colônia.    Esse triste episódio no tratamento psiquiátrico de nossa história teve o fim nos anos 80. Em 1996 um do seus pavilhões foi transformado em museu mantendo viva essa lamentável memória.

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