a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A crônica de um dia de torpor

Era um lugar que me interessava, essas coisas da mente humana, de como eram tratadas as pessoas que não tinham culpa de um diagnostico e não sabiam o que aconteciam com suas crises, a mente humana as vezes nos prega peças, pânicos, falta de empatia pra viver e pessoalmente , isso é uma incógnita, por isso o meu fascínio, já havia lido sobre ele, assistido documentários, e fui descobrindo coisas mais obscuras, coisas desumanas que aquele lugar viveu, mas meu interesse não minguou, posso dizer que foi acrescentado um outro tópico curioso, porém nunca estive lá, até que me surgiu a oportunidade de ir com meus colegas de sala de aula, sairíamos de Ouro Preto bem cedo.
O dia chegou, foi uma manhã virada, tinha virado a madrugada, junto a insônia que insiste em aparecer, mas eu estava ansiosa, como sempre, defino como meu estado crônico, pois eu queria ver, queria sentir aquele lugar que viveu tanta coisa e agora era museu, oque mais uma estudante de museologia queria!? A ida foi ótima, um amigo querido me deu um Dramin, então a fadiga que me importunava passou, nunca fui uma admiradora de visitas técnicas, é muita correria, muita gente junto, minha alma é mais solitária e para poucos, mas essa valia a pena, quando chegamos comecei a sentir uma energia densa, acredito muito nisso, na energia das coisas, lugares, pessoas e tudo que esse infinito universo proporciona, comecei a sentir um pouco de falta de ar, acabei esquecendo de mencionar que sou bem sensitiva, meu pai de santo e os curadores do Intituto de Pranaterapia afirmavam, tanto que naquela manhã tampei meu umbigo, para não absorver energias que iriam me sugar, mas eu estava curiosa, queria entrar, queria ver, sentir, não queria que fosse uma experiência técnica, ficar observando a iluminação, as vitrines, se era acessível, eu queria ser sensor, sentir o que aquela instituição queria mostrar.
Comecei minha experiência um pouco frustrada, na minha cabeça se passava - poxa, mais eles podiam explorar mais o sensorial, eles tinham tanto material e o recorte museológico dá tantas margens pra isso, algumas coisas impactavam muito, o próprio acervo, aparelhos de lobotomia e suas variações, me faziam pensar como uma pessoa recebia a notícia que sofreria aquele procedimento, no outro canto do mesmo módulo uma plotagem com alguns rostos, tentei entender o que eles estavam expressando, mas eu sabia que nunca entenderia, o módulo do trem de Barbacena estava mais denso, tive uma sensação mais forte mesmo sendo um módulo onde não abrange a obscuridade daquela história, um colega contou sobre sentir isso também na mesma sala, quando estava me preparando para subir no segundo pavimento, me deparei com um ser humano enjaulado, era tão perturbador que comecei a subir mais rápido, pra ver melhor que instalação era aquela, mas eu não conseguia absorver, era triste, a pessoa que ali estava eternizada, estava tão destroçada que não reconhecia se era mulher ou homem, se ela estava chorando ou estava desesperada ou os dois provavelmente, minha decepção estava começando a diminuir, eu queria sensores pra ter a experiência que tive com aquele ser humano enjaulado, mas os módulos seguiram o mesmo padrão, a última sala que entrei tinham 4 totens com áudios dispersos de relatos, gemidos, canções cantadas, mas eu já havia as escutado nos documentários assistidos, pensei que eles sem um fone para cada atrapalhou, pq os sons eram soltos, mas depois compreendi, devia ser esse o barulho de lá, uns gemendo de dor, de tristeza ou tantos outros sentimentos que temos, uns tentando manter a sanidade cantando ou conversando, era esse o som, porém claro que com menos intensidade, fiquei imaginando esses sons 4 vezes mais altos, acho que esse pode ter sido a realidade, nessa hora eu precisava de um ar, precisava sair dali, me sentei junto a alguns colegas que relataram que sentiam que ali já viveu muito sofrimento, de repente, de forma muito carinhosa um cachorrinho se aproximou, com muita doçura começou a tentar me abraçar e eu fui no jogo dele, quis retribuir o amor, imaginei será que ele vive lá? animais são seres iluminados, será que ele vivia ali com uma missão de aliviar a densa energia, mas uma coisa não saia da minha cabeça, porque holocausto estava tão no escuro daquela comunicação museal, estava um pouco velado essa questão,  particularmente isso seria o auge do fechamento pra esse museu, essa história precisa tanto ser divulgada, eu não conhecia, também vindo do sudeste do Mato Grosso, lá as pessoas não costumam questionar, esse é um dos motivos que não gosto da minha região.
Depois de receber e dar muito carinho, fomos chamados para uma breve fala, no auditório, onde um funcionário falava do espaço museal, minha cabeça sempre questionando - será que ele não vai falar do holocausto?!, fomos embora, eu ainda com o torpor de um sono regado ao movimento do ônibus, voltei dormindo, eu precisava repor minhas energias e com uma leve decepção, aquela exposição não representou a dor, as terríveis lembranças que aquelas pessoas tinham, foi tudo velado mas sentido ao mesmo tempo, mas deve haver um motivo, eu só não sei, foi apenas um pensamento de uma museologa em formação, onde o mundo é ideal e a vida não é real.

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