a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


terça-feira, 19 de novembro de 2019



Em visita-técnica ao Museu da Loucura, em Barbacena.



Como terá sido ser jogado numa ‘casa de alienados’ ?

Como terá sido ser jogado numa ‘casa de alienados’, estando são ?

Como terá sido ser jogado numa ‘casa de alienados’, estando são, contra a vontade ?

Como terá sido ser jogado numa ‘casa de alienados’, estando são, contra a vontade e ser mulher ?



“Quem não era louco, ficava” – João B.











- É na torre que ficam encarcerados os loucos ?

- Sim, estão sempre vestidos de branco, parecem até médicos. Disfarçam-se de senhores de bem. Quase ninguém desconfia.







Não era a camisa do seu time favorito. Não era o uniforme do colégio. Era o azulão. O embrulho identificava o conteúdo. Eram números apenas. De 1 a 6.000. Internados. Esquecidos. Mortos. Enterrados. Corpos vendidos.





A boneca na vitrine nunca teve com quem brincar. Nunca conheceu mãe, nunca foi ninada em colo algum. Nunca adoeceu, nem foi ao médico (graças a Deus!) Nunca teve festa de aniversário ou roupa descente. Descende de um interno.


                                                     De qual ? De quem ? Se não interessa a ninguém. 





 Domínio Público

Era uma vez uma Sueli que era mãe de Débora e de outra nascida na mesma hora, no mesmo dia do mesmo ano. Pobre da Sueli, ficou sem as duas filhas. Deu para perambular e falar sozinha. Era uma vez uma Sueli que cantava com domínio vigiado, privado. Condomínio dos alienados.






Onde estão os batedores de panela ? Ou os coxinhas ?



A cadeia era produtiva. O dono do frigorífico ficou rico. O dono da padaria ficou rico. O dono da mercearia ficou rico. O dono da loja de tecidos ficou rico. Os médicos, idem.

Os internos quando chegavam ficavam sem dentes. Então a comida era triturada, só para dar gosto, não para ser mastigada.

A gente se acostuma, mas não devia.





Muito riso, sinal de pouco juízo, dizia minha tia. Será ?  Ala atual. Espaço disfarçado de cores e alegrias no Museu da Loucura, em Barbacena. Uma homenagem a quem não foi, a quem não esteve ? Em pensamento : Nise da Silveira - a que humanizou a psiquiatria, a que tratou de fazer bater o coração da psiquiatria artística, dando novas chances a quem não tinha.

Quando nasci um anjo alegre, torto e maquiado me soprou ao ouvido... ‘vai, menina, vai ser artista na vida’ (Com licença viu, Seu Drummond)
Recado: Impossível deambular pelo museu. Impossível transitar indiferente pelo espaço. A dor é um dos processos de fruição que precisa ser compartilhado para que não sejamos mais 'números' e, sim, pessoas.

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