a tradição das visitas técnicas

No inverno de julho de 1945, quando as moças e senhoras costumavam usar chapéus em roupas de passeio e os homens trajavam ternos à rua, a turma do Curso de Museus do Museu Histórico Nacional/RJ excursionava para a cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. O grupo de 19 pessoas veio de trem numa viagem que durou 16 horas. Durante a permanência de uma semana visitaram também as cidades de Mariana, Congonhas do Campo e o então arraial de Ouro Branco.

Passados 68 anos, o Curso de Museologia da UFOP mantém a tradição das visitas técnicas iniciada pelo Curso de Museus. Todo semestre o DEMUL se reúne para discutir e aprovar os roteiros de viagens das disciplinas que possuem visitas previstas em suas ementas. Em geral, os estudantes organizam a hospedagem, na busca de conforto, higiene, bom preço e localização. Os professores, claro, responsabilizam-se pela elaboração dos roteiros detalhados, agendamentos, relatórios posteriores, avaliações e ainda por todo o aspecto operacional de deslocamento.

Em meio à transitoriedade do mundo contemporâneo as visitas técnicas permanecem uma boa tradição que nos orgulhamos em manter devido à sua importância como recurso pedagógico.

Este blog cumpre, pois o objetivo final de avaliar os estudantes em suas visitas aos museus. Suas postagens são registros, narrativas e leituras da experiência vivida, um diário coletivo, dinâmico, crítico, quiçá, divertido.

Tenham todos uma boa leitura e uma boa viagem!

Prof.ª Ana Audebert


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Museu da Loucura e o Turismo acrítico

Um museu que quer se retratar perante os internos ou um museu que quer atrai turistas?
     Essa foi a pergunta que me fiz quando vi essa cena no Museu da Loucura, localizado em Barbacena, Minas Gerais:

Foto 1: Recepção do Museu da Loucura com um estandarte do Tripadvisor  

     O Museu da Loucura, museu inaugurado em 1996, pela parceria da Fundação Hospitalar do Estado de Minas e a Fundação Municipal de Cultura de Barbacena, faz parte do Projeto Memória Viva.
     Museu com ótima acessibilidade, acervos, audiovisual e ótimos funcionários. Um museu que, com meu olhar de turismóloga, é um ótimo dispositivo de turismo. No entanto há de se pensar que tipo de turismo e que tipo de turista visita esse Museu: mais um museu na rota turística de Barbacena? Um museu que conta uma história que não pode ser repetida? Aliás, a história que é contada é real ou pintada?
     Já na entrada pode-se imaginar que os internos viviam num lugar bonito, por assim dizer. O museu se assemelha à um castelinho: 
Foto 2: Entrada do Museu da Loucura

     Contudo, João, um dos funcionários do Museu nos contou que os internos não ficavam ali. O Hospital Colônia se encontrava dentro da Fazenda da Caveira e este se encontrava a 3 km dali, ou seja, o museu não se encontra no mesmo local onde os internos ficavam.
     
     
     Logo na entrada há uma placa de "boas vindas", onde a narrativa começa se auto-denominando "Caldeirão do Inferno". Já nessa placa há informações das torturas que os internos passavam.
Foto 3: Placa na entrada do Museu da Loucura
     Uma placa que pode criar alguns sentimentos como o de suspense pelo o que há de vir ou de repulsa pelas torturas passadas como a lobotomia e os choques elétricos. 

     Na sala ao lado há a exposição dos uniformes utilizados pelos internos; bem, quando usados, porque na década de 60  o Hospital detinha o número de 6 mil internos com capacidade de 200.


     Continuando pelo circuito do museu, chega-se a uma sala em que à direita está exposto os instrumentos de choques elétricos.
Foto 4: Instrumentos de eletro-choque

     Na mesma sala, à frente, há material audiovisual contendo partes da reportagem que saiu na revista "O Cruzeiro".


     E na parte direita da foto há relatos da alimentação dos internos que era preparada por outros internos e uma instalação.
Foto 5: Instalação com as panelas e utensílios utilizados no Hospital Colônia

     Pode-se perceber como o ambiente criado é para que o visitante mergulhe num ambiente triste e frio, no entanto, em nenhum momento, cita-se nomes de médicos e funcionários.

     A criação de um filme de terror dramático continua quando sobe-se para o segundo andar, no primeiro momento, um susto: a foto de uma interna (ou detenta) presa numa grade, enjaulada e semi nua, como um ser sem direitos. "A última grade", como se chama a instalação, só foi retirada em 1990, ou seja, até esse momento, os internos (ou detentos) eram presos.

Foto 6: interna enjaulada

     Logo ao subir, à direita, há a sala com relatos (em áudio) contidos no documentário "Em nome da razão", de Helvécio Ratton, lançado em 1979.

     Já à esquerda, a possível reparação do Hospital Colônia agora como espaço museal para com os internos, com relatos jornalísticos citando nomes dos responsáveis.

Foto 7: poster com reportagens jornalísticas denunciando os absurdos

     Ainda na restituição dos direitos, a sala a seguir fala sobre a Luta Antimanicomial.
  
Foto 8: Luta Antimanicomial

     No entanto, mesmo depois dessa tentativa de reparação, há a sala da lobotomia, onde o filme de terror dramático volta.
Foto 9: Sala da Lobotomia



     Voltando para o estandarte que o Museu ganhou do site Triadvisor; pesquisei o que os visitantes falaram e postaram sobre o Museu. Para isso postarei alguns relatos e fotos em ordem crescente de recomendação. No site o Museu tem 152 avaliações, sendo que 81 são "excelente", 46 "muito bom", 13 "razoável", 5 "ruim" e 7 "horrível".
Figura 1: avaliação "horrível"

Figura 2: avaliação "ruim"

Figura 3: avaliação "razoável"

Figura 4: avaliação "bom"

Figura 5: criança no Museu

Figura 6: avaliação "excelente"

Figura 7: casal sorrindo com legenda "triste história"

     A partir das avaliações e dos relatos pude perceber que é um Museu com, também, caráter turístico, o que pode levar a um turismo predatório e acrítico.

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